
Escritora Aritana Tibira. Foto: Divulgação/ Assessoria
É somente com uma comichão estranha que se pode querer ler as criações estonteantes da Aritana Tibira. Longe de mim acusá-la de maneira leviana ou cometer tamanha heresia, citando à toa o nome do capiroto no título, contudo, há de se dizer, por precaução, os efeitos colaterais que a leitura de suas obras traz.
Tal qual a ardência na garganta depois de um generoso gole de cachaça (ou de um corote daqueles baratinhos), fui induzido, mais pela ardência causada do que pela bebida em si, a ler e reler, em um momento de frenesi indescritível, todos os escritos da artista em questão… Complicado até lembrar as razões que me hipnotizaram a essas transgressões literárias.
A atenção à leitura dos contos da escritora oscilou em um círculo de libertações e prisões, até terminar no assombro da realidade apática. Vale dizer de antemão que, para os entusiastas de enredos floridos e finais felizes, não devem ser recomendados os tabefes marginais da artista. Além do mais, a ideia de escrever em poucas palavras sobre os contos autorais da Aritana será feita exclusivamente para não horrorizar o novo leitor e menos ainda para reavivá-las nas entranhas de quem já os leu.
Pois bem, assim como nas feiras de Manaus, os livretos (zine) dela oferecem o que uma alma freguês e maltratada pede: tem as frustrações maternais descontadas num horripilante homicídio; casos de anorexia e bulimia, e suas táticas aqui censuradas; manifestos de culto a outro deus, o deus próprio, a vaidade; também, nas trevas, um manual de combate à hipocrisia familiar e moral, tendo uma reviravolta típica de tragédia grega; as lembranças macabras do ser humano sequelado; a anti-heroína sedenta pela justiça às minorias; os transtornos ligados à intersexualidade, num infindável fluxo de amar-se e odiar-se.
Há, também, as obras que dispensam o breve comentário, necessitando ao leitor a presença de um ouvido que saiba escutar. Por exemplo, em Pitty Cyclone, o ímpeto de gritar a plenos pulmões a frase “defensora de bandido” para a escritora é esmorecido com a narração da trajetória paupérrima da personagem, que como tantos nesta cidade são jogados ao descaso desde criança.
No texto Mendigo, ela brinca com o cotidiano e enaltece os fetiches asquerosos; em Caspa, tem-se o retrato do triste fim do sofrimento de (mais) um invisível; já o 24 de dezembros e sintetiza numa narrativa de abusos, conveniente apenas aos descrentes com a humanidade. Em Quinta das humildes, o que aparentava ser uma sequência de episódios da boemia drag nas noitadas manauaras, inserindo a imaginação-leitora em um cotidiano às escuras, se transformou num sanguinário desfecho, uma canetada russa, ressentida, amarga, lastimosa. O riso no começo do conto vai se desfazendo aos poucos, obrigando-nos a fecharmos o livro, sempre em silêncio.
O acervo de contos da Aritana Tibira provoca os leitores a emergirem em seus dramas e enredos presentes na margem desassistida. Portanto, a par de toda vilania, desgraças, combate e reafirmações, o apreciador desse acervo sai da Caverna Literária de Aritana um bocado diferente de quando entrou. Bem, falta de aviso não será. E se a leitura dos resumos empobrecidos tentados acima te faz torcer o nariz ou causa uma sensação de que é melhor continuar jogando o incômodo social para debaixo do tapete da moral e que toda a expressão da estética corporal, da sexualidade, do gênero e do enfrentamento ao olhar do outro significa uma literatura de menor valor, aí nada resta a não ser olhar para o céu, bater exageradamente as mãos na coxa e ir repousar do Jardim no Éden mais próximo, querubim.
As obras de Aritana Tibira estão disponíveis a partir de sua rede social (@aritanaz).
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