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Colunista

Marcos Souza

Corram para a academia, os proletários decidiram publicar

A tentativa de elitizar a literatura manauara e a resistência de alguns indivíduos à democratização da escrita

Corram para a academia, os proletários decidiram publicar

Foto: Divulgação/ Canva/ IA

Não digam que fui rebotalho,

que vivi à margem da vida.

Digam que eu procurava trabalho,

mas fui sempre preterida.

Digam ao povo brasileiro

que meu sonho era ser escritora,

mas eu não tinha dinheiro

para pagar uma editora.

(Carolina Maria de Jesus)

Décadas se passaram e os maiorais da literatura amazonense não compreenderam a razão que os definem como tal: o dinheiro. Carolina Maria de Jesus jamais seria aceita por quem, em vez de propor um debate honesto, age com preconceito linguístico e tenta invalidar o próximo por não cultuar a mesma e forçada “aristocracia de escolhidos”. Ora, respondam-me, mencionar um clássico para validar seu argumento é uma baixeza? Veja bem, qualquer ser humano consegue essa proeza, mesmo não estando de terno engomado ou vestido caro. Basta um livro!

“Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”, disse certa feita Willian Shakespeare (espero que esteja no caminho certo). Todavia, deixando de lado ironias e pequenas picuinhas, faz-se necessário incutir uma questão mais necessária, intensificada nas últimas semanas: a publicação excessiva, ou demasiada, se preferirem.

Por algum motivo, a publicação de livros está incomodando os que possuem ao seu dispor editoras e contatos preciosíssimos. “Mas são livros de péssimas qualidades!”, afirmam. Contudo, espere um pouco, quem define o que é ótima ou má literatura? Se, por acaso, retirarem de seus versos as palavras difíceis, resta o quê? Nesse sentido, carece aos intelectuais pesquisarem a biografia de seus escritores prediletos, pois, para além de disruptivos, foram revolucionários ao seu modo. “Mas isso é falta de senso crítico”. Devolvo este pré-conceito com outra indagação: e o que é a arte para ti?

Frente às infinitas discussões sobre a produção literária manauara, rememorei o caso de meu avô, Lourival Almeida. Este era um dos milhares de brasileiros que foram soldados da borracha na época da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), vindo de Potiretama, interior do Ceará. Não conheci em vida, pois morrera bem antes do meu nascimento, mas as histórias orais de sua aventura foram passadas desde minha tenra infância.

Enfim, agora imaginemos se, por acaso, ele, com toda a sua vivência nos seringais, na época da guerra e sofrendo todo o tipo de moléstia, do paludismo à brutalidade humana, tivesse um livro publicado sobre a sua visão desse marco histórico? Pois bem, publicado ele não foi, mas deixou o esboço de um romance que conta do princípio ao fim as penúrias de um holocausto amazônico. Sim, sem hesitar: um holocausto amazônico, cruel, facínora, raquítico, desumano, causado pelo Estado brasileiro, sob os mandos de Getúlio Vargas.

A criticidade e os relatos assustadores de quem viveu na pele aquele momento poderiam ser um clássico, sem dúvidas, como é o livro “Romanceiro da Batalha da Borracha”, do doutor Samuel Benchimol. Mas, não. Naquela época, final dos anos 80 e começo dos 90, as publicações eram infinitamente mais difíceis se comparadas ao cenário atual, principalmente se o escritor ou a escritora pertenciam à classe que sempre foi relegada à periferia de tudo, inclusive da literatura.

Trago esta reflexão como uma muleta do argumento a seguir: é melhor termos dez mil livros do que dez unidades. Errar pela quantidade é mais justo, uma vez que significa, na pior das hipóteses, uma democratização da escrita. O crivo quem faz é o leitor. A qualidade irá vir como um processo de maturação, com leitura, técnicas e reproduções. O que não se deve fazer é cortar a criatividade pujante em Manaus pelas raízes, sendo que estas demoraram anos para ser fortificada. Fortificada, aliás, por aqueles que são chamados de clássicos e que são usados de referência para elitizar a literatura.

No entanto, a crítica sobre a qualidade literária do escrito pode vir à tona: e se fosse um livro fraco, mal escrito e sem méritos? A resposta mais cabível é outra pergunta: quem se importa? Se realmente o livro for péssimo, deixe que os leitores, críticos e futuramente o próprio leitor coloque a obra em seu devido lugar. O que não se pode fazer é aniquilar a possibilidade do fazer artístico.

Ninguém nasce sendo um literato consagrado, e muitos, que pensam ser consagrados, são apagados pelo esquecimento popular, como tantos escritores dos séculos passados que morreram física e artisticamente.

A crise realmente grave que Manaus sofre é a de leitores, por causa da nossa péssima educação, do sucateamento da nossa cultura e de nossa literatura encastelada.

Ademais, maior que a estante de livros, somente o ego.

As palavras acabam, preciso de um revisor.

Faço-me poesia no final deste artigo.

Esmorecendo no umbral morfético dos devaneios.

Lúdico, hercúleo e hermético, como o néscio goza.

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1 Comentário

1 Comentário

  1. Suzane Almeida 06/01/25 - 20:06

    Viva a literatura amazonense.
    Através de escritores como você, podemos dar significado aos sonhos dos que, no passado, não puderam concretizá-los.”

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