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Diálogos do Norte

Emerson Canto fala sobre pesca, educação e representatividade popular em Óbidos

Vereador e pescador, Emerson Canto comenta os desafios da pesca artesanal, educação pública e políticas públicas no município de Óbidos

Emerson Canto fala sobre pesca, educação e representatividade popular em Óbidos

Foto: Arquivo pessoal

Vereador, pescador e coordenador da Colônia Z19, Emerson Canto compartilha sua trajetória e os desafios enfrentados pela população obidense em áreas como saúde, infraestrutura e política pesqueira.

Reconhecido pela atuação próxima às comunidades ribeirinhas, Emerson Canto alia vivência popular à função legislativa no município de Óbidos. Com origem humilde, construiu sua trajetória a partir da pesca artesanal, tornando-se uma liderança ativa na Colônia de Pescadores Z19 e, atualmente, vereador eleito para o mandato 2025–2028. Ao longo da conversa com o Diálogos do Norte, ele reflete sobre a importância da escola pública, analisa os avanços e desafios do Seguro Defeso, detalha ações voltadas ao fortalecimento da classe pesqueira e compartilha sua experiência no Legislativo municipal. A entrevista completa oferece um panorama direto sobre os compromissos, as lutas e os projetos de um representante que transita entre a beira do rio e os espaços institucionais de decisão.

Quem é Emerson Canto?

Nascido e criado no município de Óbidos, vim ao mundo em 20 de junho de 1975, na Santa Casa de Misericórdia de Óbidos. Me criei no município, estudei do infantil ao ensino médio aqui mesmo. Sou filho de agricultor, pescador, o 11º filho — o caçula — de Maria Joana de Lima Canto e Raimundo Guimarães Canto, naturais do Paraná de Dona Rosa, município de Juruti.

Viemos de uma família humilde. Meu pai era pescador e agricultor, plantava e comprava juta, e ainda mantinha um terreno no Lago Grande Salé, em Juruti, onde criava gado e pescava. Naquela época, tudo era salgado para conservação. Dentro dessa realidade, nosso pai priorizou a educação dos filhos, mandando-os para a cidade com o objetivo de estudar. Muitos conseguiram concluir o ensino médio. Somos nove irmãos e duas irmãs — uma mora em Manaus e no Paraná de Dona Rosa, o restante está em Juruti.

Sou um pescador por vocação e oportunidade. Em 1996, sofri um acidente em uma bajara e passei um ano em recuperação, morando em Manaus. Depois, retornei à pesca e, em 2001, me associei à Colônia de Pescadores Z19. Me casei em 1998 com Odenilma Farias Canto, professora há mais de 20 anos. Nosso filho, Emerson de Lima Canto Júnior, sempre estudou em escola pública e hoje é formado em Medicina pela UEPA. Sempre acreditei que a educação é o caminho para transformar vidas.

Minha trajetória de gestão na Colônia Z19 começou em 2012, com mandatos como presidente. Em 2020, fui o terceiro vereador mais votado do município, mas não alcancei o coeficiente partidário. No entanto, fui eleito para o mandato de 2025 a 2028. Continuo pescando quando possível, pois essa é a minha profissão; as outras ocupações são temporárias.

Sou um caboco trabalhador. Em 2015, coordenei o Círio e, em 2016, assumi a festividade de Sant’Ana — uma grande responsabilidade que enfrentei com minha esposa e a equipe da Z19. Nunca sonhei com funções de liderança, mas nunca fugi das missões que surgiram. Assumi com responsabilidade e sigo aprendendo todos os dias.

Como o senhor enxerga a importância da educação pública de qualidade para que a juventude possa se sonhar com melhores possibilidades?

Tudo começa na educação familiar, com os pais incentivando os filhos a estudar. Eu mesmo vim cedo para a cidade por causa dos estudos, mas sempre voltava para o Paraná de Dona Rosa, mantendo esse vínculo com minhas raízes. Quando meu filho nasceu, fiz o mesmo: levávamos ele ao interior para que valorizasse o trabalho, a terra, e sonhasse com um futuro melhor. E ele sempre estudou em escola pública.

Minha sogra, Elza Lira, é uma grande educadora e foi essencial nos momentos de dificuldade. O mais desafiador foi mandar nosso filho estudar fora, como meu pai já havia feito conosco. Sustentar um filho em outro município sendo pescador e professora não é fácil, mas com apoio de pessoas queridas, conseguimos.

O sonho do meu filho se tornou o nosso, e hoje ele é fruto da escola pública e está formado em uma universidade pública. Acredito muito na escola pública de qualidade e, principalmente, na luta para que esse direito alcance toda a população — especialmente aqueles que historicamente tiveram mais dificuldade de acesso.

O que representa hoje a pesca artesanal para o município de Óbidos, e quais os principais desafios para quem vive dessa atividade?

Hoje temos uma boa dinâmica e buscamos superar diversas dificuldades — principalmente com a documentação dos pescadores. Nas conversas com os representantes comunitários, a maior queixa sempre foi em relação à documentação, seja no sindicato ou na Colônia Z19. O que deveria ser nosso porto seguro — como o Ministério da Pesca e a Superintendência da Pesca — por muito tempo foi negligenciado.

Na prática, enfrentamos problemas com a estiagem, que dificulta bastante a vida do pescador, além das enchentes, que também trazem prejuízos. Outro desafio é o escoamento do pescado na época da safra. Estamos lutando pela implantação do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), através de um plano do governo federal que prevê a compra de pescado para distribuição gratuita à população. O governo paga, repassa para as entidades, e estas distribuem às famílias em situação de vulnerabilidade.

Ser pescador não é fácil. É uma vida sofrida, debaixo de sol e chuva, mas tem seus aspectos positivos: o contato com a natureza, a distância da violência das grandes cidades… É um ambiente bom para criar os filhos. E seguimos sonhando com a chegada da universidade ao nosso município, com cursos diversos que ofereçam mais oportunidades aos nossos jovens. Estamos articulando isso junto ao Poder Público.

O Seguro Defeso é um direito essencial para os pescadores durante o período de reprodução dos peixes. Como você avalia o acesso a esse benefício no município?

Na Colônia Z19, temos cerca de 2.700 pescadores com acesso ao benefício no ciclo 2024/2025. O Defeso começa em 15 de novembro e vai até 15 de março. Esse recurso é essencial não só para os pescadores, mas para a economia do município, pois movimenta o mercado.

Hoje, o acesso está bem melhor do que anos atrás. O sistema, com o acordo de cooperação técnica entre colônias, entidades e o INSS, trouxe mais agilidade. As próprias colônias inserem os dados dos associados no sistema, o que facilita bastante. Cerca de 80% dos nossos pescadores cadastrados já recebem o benefício a partir da abertura da temporada.

Ainda assim, enfrentamos entraves. Atualmente, cerca de 140 pescadores aguardam análise de seus benefícios — consequência da alta demanda e da pouca mão de obra no INSS. Esse atraso gera impactos sérios: os pescadores ficam impedidos de trabalhar e, sem o benefício, acabam acumulando dívidas e enfrentando vulnerabilidade social, financeira e alimentar.

Por parte da colônia, os serviços são executados com eficiência. Estamos sempre em contato com as lideranças comunitárias, o que facilita muito o processo. Porém, a burocracia governamental ainda prolonga os prazos.

Como coordenador da Colônia de Pescadores Z19, o senhor acompanha de perto as dificuldades enfrentadas pela categoria. Que iniciativas têm sido implementadas para melhorar as condições de trabalho e organização da classe?

Acompanho essas dificuldades porque também as vivencio — sou pescador, não apenas um presidente teórico. Por isso, conheço as realidades de cada comunidade, que têm desafios específicos.

A Colônia Z19 tem atuado de forma presente nas comunidades, levando ações e acompanhamentos. Muitos pescadores têm dificuldade de vir até a cidade, então buscamos facilitar. Por exemplo: pegamos os formulários do cadastro nacional, enviamos para as comunidades e depois recolhemos para inserir no sistema. Assim, amenizamos o sofrimento de quem não tem acesso à internet ou transporte.

Essa estratégia tem funcionado bem. Estar presente nas comunidades é essencial. Minha atuação como vereador também ajuda nesse processo, pois consigo levar as demandas diretamente à Câmara Municipal de Óbidos e ao conhecimento do prefeito Jaime Silva. Acredito que o vereador é a ponte entre o povo e a gestão pública.

Além da representação dos pescadores, minha atuação como legislador amplia essa articulação. É uma missão árdua, mas que encaro como divina. Recentemente, realizamos ações de saúde em parceria com organizações, e agora estamos trabalhando para levar filtros de barro às comunidades, garantindo água potável — algo crucial diante da poluição crescente dos rios, especialmente durante as enchentes.

Como vereador, quais demandas da população o senhor considera mais urgentes hoje?

A principal demanda, especialmente no verão, é o acesso à água potável nas comunidades. Há anos discutimos isso. Quem diria que um dia faltaria água na várzea, né? Temos buscado articular com deputados, por meio de emendas parlamentares, para conseguir filtros de água. Sabemos que os custos com poços artesianos na várzea são altíssimos, porque exigem profundidade muito grande. Lá no Paraná de Dona Rosa, por exemplo, temos poços com mais de 200 metros de profundidade. Já vimos tentativas frustradas de empresas que perfuraram 60 metros e encontraram água insalubre.

Levamos essas demandas aos parlamentares e conversamos sobre a necessidade de bombas d’água e filtros para as comunidades mais isoladas, como Costa do Paru, Maria Teresa, Auerana, Amador, Nossa Senhora das Graças, Boas Novas, Liberdade, Paraná de Baixo e Igarapé Pinto — todas enfrentam grandes dificuldades no verão.

Também estamos em busca de melhorias na saúde e na educação. Queremos implementar cursinhos preparatórios para jovens pescadores e seus filhos, para que possam competir em igualdade por uma vaga na universidade. Já temos uma equipe técnica voluntária nos ajudando a montar esse projeto e, em breve, formaremos um corpo docente. O objetivo é oferecer cursinhos voltados ao ENEM, pois é um sonho ver esses jovens sonhando alto e tendo chances reais de sucesso.

Como tem sido a sua experiência dentro do Legislativo?

Ainda estamos no início da caminhada, mas temos estudado bastante, participado de palestras e formações — o que nos proporciona muito aprendizado. Nas visitas às comunidades, percebemos formas mais eficazes de buscar soluções. Às vezes, ouvimos muitas críticas ao prefeito, mas nem sempre se avaliam todas as condições reais.

Por exemplo: há pedidos para construção de postos de saúde, mas poucos se perguntam se o município tem condições de manter equipe médica, estrutura, materiais, medicamentos. Então, é necessário planejamento e estratégia. Já vimos muitos empreendimentos sem funcionamento por falta de planejamento adequado.

Hoje entendo que é fundamental saber dialogar, buscar emendas estaduais e federais, e aplicar os recursos de forma eficiente. Estou me esforçando para adquirir esse conhecimento técnico e exercer o mandato com preparo. Minha vivência como liderança comunitária e pescador me ajuda muito, pois posso unir conhecimento empírico com o técnico.

A Colônia Z19 é uma verdadeira escola — tanto na parte burocrática quanto na escuta e diálogo com o povo. E o povo merece ser bem representado.

O senhor faz parte da base do governo ou da oposição? O que sustenta sua posição e como isso reflete na sua atuação na Câmara?

Me elegi pelo mesmo partido do prefeito, o MDB, e sou parte da base de apoio ao governo. Acredito na forma de trabalho do prefeito e vejo que ele está no caminho certo. Não tenho motivos para deixar a base, até porque o governo tem buscado melhorias para a população, mesmo com poucos recursos.

Participei do conselho de saúde e conheço bem as deficiências do município. Sei quanto o município investe com recursos próprios para cobrir despesas em áreas como saúde e educação. O transporte escolar, por exemplo: mesmo sendo responsabilidade do estado, o prefeito mantém um acordo com o governo estadual para garantir o transporte dos alunos do ensino médio, tanto da terra firme quanto da várzea.

Essas atitudes mostram compromisso e responsabilidade. O prefeito tem esse olhar cuidadoso com a educação, saúde e infraestrutura. Mesmo com arrecadação abaixo do necessário, estamos buscando meios de angariar mais recursos para o município.

O que o mantém motivado a seguir na luta política e comunitária?

Meu sonho é sempre trazer melhorias para nossa população — na educação, saúde, infraestrutura e, especialmente, no saneamento básico, que é fundamental. Mas o sonho mais sonhado, digamos assim, é criar cursinhos para os filhos de pescadores e para jovens pescadores que queiram ingressar na universidade.

Também queremos trazer laboratórios e atendimentos médicos para a Colônia Z19. Temos um terreno onde pretendemos construir uma ala médica e uma república para acolher os filhos dos pescadores que vêm estudar na cidade. Esse sonho me motiva todos os dias, tanto como político quanto como líder comunitário, porque acredito que a educação pública e de qualidade pode transformar vidas.

Óbidos tem um grande potencial no setor primário, com atividades como a pesca, a agricultura e o extrativismo. Na sua visão, o que falta para que essa produção seja ainda mais valorizada, garantindo melhores condições para a população do campo, para que possam não somente sobreviver, mas viver dignamente?

Nosso potencial é imenso. Segundo a UFOPA, cerca de 69% da economia do município gira em torno da agricultura, pecuária e pesca. Se melhorarmos os portos de embarque e os ramais para escoamento da produção, já faremos uma grande diferença.

A pecuária tem evoluído com criação de alto padrão. Na pesca, precisamos de meios mais eficientes para o escoamento na época da safra, o que aumentaria a lucratividade. Já a farinha, que já é exportada para outras regiões, pode ser ainda mais valorizada.

É preciso fomentar os trabalhadores envolvidos nessas atividades, conseguir parcerias com os governos estadual e federal — como já acontece com a CONAB — e expandir essas ações para movimentar a economia local com mais força.

Que mensagem o senhor gostaria de deixar para a população obidense?

Quero agradecer a todos os nossos parceiros, porque ninguém faz nada sozinho. Nosso trabalho é construído na coletividade. Quero reafirmar meu compromisso: seguirei lutando para dar o meu melhor nessa missão de representar e defender o nosso povo.

A entrevista com Emerson Canto oferece um retrato da atuação parlamentar construída a partir da vivência direta com os desafios enfrentados pela população ribeirinha e pesqueira de Óbidos. Ao abordar temas como políticas públicas de saúde, infraestrutura, educação e organização da classe trabalhadora, o conteúdo contribui para o entendimento das conexões entre experiência prática e atividade legislativa no contexto local. A escuta das bases e a mediação com o poder público aparecem como elementos centrais de sua abordagem política, revelando dinâmicas importantes para o debate sobre representatividade e gestão municipal.

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