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Colunista

Ailane Brito

Semana do Meio Ambiente: fala-se em sustentabilidade, articula-se a destruição

Em vários estados, projetos autorizam a pecuária e  a monocultura em áreas de proteção permanente

Semana do Meio Ambiente: fala-se em sustentabilidade, articula-se a destruição

Foto gerada com ajuda da IA

Mais uma Semana do Meio Ambiente se encerra com discursos vazios e iniciativas simbólicas. Por trás dos slogans verdes e das postagens institucionais, o que se vê é uma engrenagem funcionando a todo vapor para desmontar direitos, legalizar crimes ambientais e blindar os verdadeiros responsáveis pelo colapso ecológico em curso.

Na Amazônia, o aumento do desmatamento nos primeiros meses de 2025 mostra que a retórica ambiental do governo federal, apesar dos compromissos assumidos para sediar a COP 30 em Belém, ainda não se traduziu em ações efetivas.

O caso mais escandaloso, no entanto, veio do Senado, com a aprovação, em regime de urgência, do projeto que flexibiliza ainda mais o licenciamento ambiental para grandes obras de infraestrutura. É como comemorar o Dia da Água despejando esgoto em um rio. É como comemorar o Dia do Meio Ambiente derrubando uma floresta inteira para plantar soja. É como discursar sobre sustentabilidade com as mãos sujas de óleo e os bolsos cheios de lobby. É como pintar de verde um desastre que tem nome, CPF e bancada no Congresso.

A ironia brasileira virou política de Estado: celebra-se a natureza com uma mão, enquanto a outra assina sua sentença de morte. Sob a justificativa de “destravar a economia”, o que se busca é eliminar os poucos mecanismos de proteção que ainda impedem a devastação irreversível de biomas.

Não há o que celebrar quando o Senado desmonta o licenciamento, quando comunidades são expulsas de seus territórios, quando os ecossistemas são tratados como mercadoria. A Semana do Meio Ambiente, neste cenário, é apenas um teatro cínico — a cortina de fumaça perfeita para queimar o futuro diante de nossos olhos.

Licenciamento ambiental: da proteção ao permissivo

O licenciamento ambiental, concebido como um instrumento de análise técnica e proteção socioambiental, está sendo desfigurado. O PL da devastadação, ressuscitado com força em 2025, propõe modalidades como o licenciamento autodeclaratório, em que o próprio empreendedor afirma, sem aval externo, que seu projeto não causará danos ambientais. Trata-se de um convite à impunidade.

A bancada ruralista lidera o ataque ao meio ambiente. Representando interesses do agronegócio exportador, essa ala do Senado opera para reduzir proteções legais, liberar agrotóxicos e ocupar territórios sensíveis como o Cerrado, a Amazônia e o Pantanal.

Sob a retórica da segurança jurídica, busca-se isentar grandes produtores da responsabilidade socioambiental. Em vários estados, projetos autorizam a pecuária e  a monocultura em áreas de proteção permanente. O modelo de produção baseado em desmatamento, queimadas e concentração fundiária segue blindado por uma legislação cada vez mais cómoda aos destruidores.

Não bastasse isso, os governos estaduais seguem firmes em seus pactos com o agronegócio predatório. No Mato Grosso e no Pará, projetos de lei estão em curso para permitir a pecuária em áreas de preservação permanente. A boiada de Salles não apenas passou — ela se institucionalizou.

A farsa do progresso

É comum ouvir que o licenciamento é um obstáculo ao desenvolvimento. Mas o que se chama de progresso é, muitas vezes, destruição em escala industrial. Barragens, hidrelétricas, rodovias e portos são implantados sem que os impactos às comunidades e ao meio ambiente sejam plenamente estudados ou mitigados.

O exemplo de Belo Monte é emblemático: prometida como solução energética, resultou em degradação ambiental e violação de direitos humanos. A produção abaixo da capacidade e os danos irreversíveis ao Xingu são o legado real da obra. Esse é o modelo que o Congresso quer facilitar.

Organizações como o Observatório do Clima alertam: o projeto de lei institucionaliza o retrocesso. Além de desresponsabilizar empresas, elimina a obrigatoriedade de estudo de impacto em diversos casos e enfraquece a escuta de comunidades atingidas. Na prática, abre caminho para mais Brumadinhos, mais Marianas e mais Belo Montes.

É necessário dizer, com todas as letras: a Semana do Meio Ambiente no Brasil é uma farsa. Um teatro anual em que autoridades posam de verdes enquanto assinam decretos que matam rios, florestas e povos. O colapso climático não é mais uma ameaça futura, ele está em curso, e suas vítimas iniciais são sempre as mesmas: os povos tradicionais, os trabalhadores do campo e das periferias urbanas, os animais silvestres, a biodiversidade que garantiu por milênios a resiliência deste território.

O silenciamento das comunidades tradicionais

A flexibilização do licenciamento também elimina espaços de escuta. Povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e agricultores familiares são sistematicamente excluídos das decisões que afetam seus territórios.

O Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho- OIT, que determina consulta prévia, livre e informada às populações tradicionais. O PL da devastação afronta esse princípio ao reduzir o papel dessas comunidades a meros “interessados secundários”. Trata-se de um apagamento institucionalizado.

A tragédia ambiental brasileira não é um acidente. É um projeto. Um projeto de desmonte, acelerado por interesses econômicos, viabilizado por omissão estatal e agora legitimado pelo Legislativo.

Licenciar a tragédia é institucionalizar a barbárie. É tornar o colapso ambiental não uma possibilidade, mas uma certeza. Em vez de planejar o futuro, o senado legisla para enterrá-lo.

Celebrar o meio ambiente enquanto se negocia sua destruição é cinismo puro. A verdadeira homenagem à natureza neste momento seria um levante ético e político contra o extrativismo selvagem que alimenta o capital financeiro global à custa do sangue amazônico e da desertificação do Nordeste. Precisamos parar de fingir que cuidar do planeta é uma questão de consciência individual e entender que é uma luta política e coletiva contra os verdadeiros responsáveis pela catástrofe em curso.

A resistência à destruição não é opcional. É urgente. E começa por denunciar essa farsa que chamam de desenvolvimento, mas que, na prática, é a ruína vestida de progresso.

Portanto, a Semana do Meio Ambiente não deve ser comemorada. Deve ser ocupada. Porque enquanto celebram com campanhas institucionais, a Amazônia arde, os rios são envenenados e os povos são silenciados. A única comemoração legítima será aquela que vier após a reversão desse projeto de morte. Até lá, que a Semana do Meio Ambiente seja tomada pela verdade e pela luta.

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