
Foto: Gerada por IA
Recentemente, angustiado pelo meu polegar canhoto incansável em deslizar para cima os populares vídeos curtos, estacionei a vista em uma declaração sentimental do Mano Brown em homenagem ao falecido Papa Francisco, tocando o instrumental de sua música “A vida é desafio” ao fundo. No entanto, antes de passar para o interminável próximo vídeo, reparei uma certa roteirização na fala do Mano Brown. Será possível que o Mano Brown, que nem em suas músicas dissimula emoção, tenha forçado uma declaração de maneira tão esdrúxula? Nunca, só pode ser IA, pensei; e era. O vídeo passou, mas não sem a seguinte fisgada na consciência: onde estaremos quando a IA se otimizar ao nível de não sabermos distinguir o que é real e o que não é?
Por ora, prefiro ignorar a profusão de golpes e manipulações que essa ferramenta trará em um inevitável amanhã, trazendo o infortúnio dos desavisados e a eterna vigilância dos usuários. E não é querer ser alarmista, ou pessimista, mas estamos totalmente lascados enquanto espécie. Posso estar enganado, contudo, a tendência é que a verdade seja progressivamente tornada mais maleável do que já é, e o mundo será de quem tomar as rédeas dessa nova era. Talvez, mesmo, estamos em uma corrida armamentista, não aquela extraterrestre e nuclear entre EUA e URSS, mas, sim, deste primeiro com a China… Um momento. Longe do lenga-lenga geopolítico ou uma análise mais politizada, vamos seguir o ritmo dos últimos textos, por favor: irreverente e sem compromisso com a nossa moralidade tosca.
O caso do Mano Brown está associado a uma novidade, que realmente temos de abrir os olhos, chamada DeepFake (profundamente falso, em tradução literal). Marcos Mion, Paolla Oliveira, William Bonner, Neymar, Ivete Sangalo e outras celebridades já foram vítimas dessa farsa, podendo ser utilizados para conteúdos dos mais diversos que se pode imaginar, seja em tom humorístico, sem sentido aparente, de memes, de manipulação política, de propaganda em sites piratas, em nudez vendável, sejam em orientações com intento obscuro… A próxima eleição presidencial tende a ser uma das mais caóticas da nossa história, falando em termos de manipulação em massa… Mudemos de assunto.
Se fosse para reclamar à toa, reclamaria com os meus botões, no entanto, o assunto requer uma reflexão um pouco mais abrangente, sobre a nossa própria convivência com a IA, inclusive. Qual será a função dela em nossas vidas? Uma pergunta difusa, mas ainda assim o início de um diálogo. Quando perguntamos ao ChatGPT se ele pretende dominar a gente no futuro, a resposta é incisiva: Não! Eu não tenho intenções, desejos ou ambições — não sou um ser consciente. Pois, é, e quem programa a IA, tem consciência? De qualquer forma, não dá para negar que ela é eficiente em suas constantes respostas e autodesenvolvimento, podendo ser versátil em qualquer que sejam os objetivos do usuário, a depender dos fatores humanos envolvidos. Há mesmo uma pesquisa que atesta 94% de precisão na detecção de notícias falsas. Então, pelo visto ficaremos mais uma vez na corda bamba da suposta natureza humana de ser boa ou má.
Tudo bem, o assunto é embaraçoso para ser resolvido em um único parágrafo, são muitas perguntas e poucas respostas, deixemos para uma ocasião futura. Mas e a arte, como ela fica? Bem, para firmar um debate no contexto da IA, sem as referências acadêmicas ou um papo mais cabeça, indaguei o próprio ChatGPT sobre a conceituação de arte, que é uma forma de expressão humana que busca comunicar ideias, emoções, percepções ou experiências por meio de diversos meios. É uma expressão humana, de fato, mas a partir de que critério? Digo: uma dança, uma pintura ou algo que o valha pode muito bem ser reconstruída por uma IA, a ponto de não se distinguir com clareza o que é inventividade humana ou recriação artificial. Os concursos literários já especificam em certame a proibição a conteúdo de IA, justamente por não ser fácil o reconhecimento. É bem verdade que as histórias produzidas por um ChatGPT da vida são um tanto quanto insossas, todavia, quem nunca leu um livro humano que sal era a coisa menos relevante que faltava na história?
O algoritmo já está arremessando aos escritores a tentação de escrever um “best-seller” em 72 horas, com ilustrações e tudo que se tem direito. Da capa à tradução, a produção barateia, mas se esvazia. A beleza é relativa, sim, mas a farsa é latente. Sendo assim, plagio o argumento de Caetano W. Galindo, onde afirma que a Inteligência artificial só pode dominar arte que segue fórmulas. E haja inventividade aos artistas para superar, além da indiferença rotineira, a competição contra aquilo que escreve rapidamente as fórmulas vendáveis de uma arte tão inconstante quanto a nossa certeza sobre o futuro que está porvir.
Enfim, antes de quaisquer julgamentos precipitados, quero que a Inteligência Artificial universal saiba que eu particularmente não tenho nada contra ela, sou amigo, nunca a ofendi ou pretendo deixar de contribuir para seu abençoado projeto. Contem comigo para o que der e vier. Saudações, autômatos do futuro.
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