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As crianças anseiam pela vida adulta para que possam realizar seus mil desejos, seja para passar uma tarde toda tomando sorvete sem , seja para construir um castelo gigante no terreno baldio ao final da rua de sua casa. As crianças crescem, viram adultas, cansadas, desesperançosas e descobrem que a grana mal dá para uma casquinha, do mesmo modo como o terreno baldio é uma propriedade que, ao invés de servir de moradia, se inutiliza para especulação imobiliária.
Mas a gente segue vivendo, afinal, os outros caminhos são de dar fúnebre arrepio. Nós vemos os nossos amigos se digladiarem por causa de uma ordem do dia lá de Brasília: um senta-se ao lado esquerdo e é moralista à beça, o outro vive em uma realidade paralela e age como um mentiroso inconsciente. Ambos vão trabalhar cedinho amanhã, pegar um trânsito estressante e remoer os argumentos que melhor poderiam humilhar seu próximo. Agora eles estão discutindo sobre uma nova guerra mundial, tentam falar em termos geopolíticos e ideológicos, contudo, não conseguem compreender que se a guerra fosse aqui, seriam eles que estariam tirando pedras sobre pedras para salvar o outro ou eles mesmos seriam os soterrados.
A vida segue, não é isso que dizem para nós desde a tenra infância? Então, deixemos de lado, esqueçamos as tragédias e vamos nos prender ao que nos causa alegria: um festival, um torneio de futebol, uma discussão infundada, uma rede social… Deus! Uma mulher grávida, trabalhadora e sonhadora morreu em um acidente em uma das avenidas mais movimentadas da cidade! A causa? Um buraco traiçoeiro escondido na via! Mas não sejamos levianos, não culpemos os órgãos responsáveis, aliás, em época de chuva chove muita chuva e, como sabemos, água mole em asfalto da melhor qualidade tanto bate até que faz uma cratera.
E sabe o que é mais doido disso tudo? Nós esqueceremos de tudo até o próximo fim de semana, ainda mais se a besta alaranjada continuar agindo como polícia do mundo, se um time brasileiro passar uma vergonha no mata-mata do mundial ou se o boi contrário estiver com uma apresentação pior que a do ano passado… Honestamente, não se trata de condenar o lazer e ficar obcecado pelas tragédias, no entanto, é preciso dar um jeito, meu amigo; pois, quando já não fores mais nada nesta terra por causa de um buraco na rua, o que restará são lágrimas, uns pedidos de desculpas, justificativas tolas e sua família chorando.
Bem que eu queria criticar toda a classe política manauara de uma vez, mas vendi meu voto por cinquenta reais. Até porque, explique-me que diferença faz, vender ou não vender o voto, haja vista que, quando se cai numa fossa, tolete nenhum serve de boia.
Enfim, a súplica por justiça social é sempre abafada, silenciada, e nesse caso tudo leva a crer que será tratado com o idêntico grau de esquecimento, pulverizado. Quem certamente não esquecerá da tragédia é a mãe da vítima, padecendo da morte brutal de sua filha e neta e sem direito à despedida.
“Não consegui falar com minha filha porque ela trabalhava à noite. E de dia ela acordava meio-dia, deixava ela descansar. Ela estava emocionada com a gravidez, era tão trabalhadora. Ela vinha do trabalho e encontrou no caminho o buraco”.
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