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Welton Oda

Economia do beiradão

No tucupi está inscrita uma tecnologia ancestral, que transforma o veneno da mandioca em alimento, assim como o tipiti é a máquina para sua extração

Economia do beiradão

Foto: Norte em Foco

A gente aprende na escola e reproduz ao longo da vida, como tantas outras coisas, a dividir a economia em três setores: primário, secundário e terciário. Mas de onde surgiu isso? Como foi parar no livro didático? Certo ou errado, essa é uma das tantas coisas que aprendemos sem questionar. Como no caso da anatomia humana, que não fala sobre corpos negros, corpos trans, intersexuais, etc. Ou os seres vivos, que nunca contemplam os animais e plantas de nosso próprio local, de nossa cidade. Assim, os livros nos falam sobre girafas, hipopótamos, tigres e leões, mas raramente dizem que são animais que não encontraremos no Brasil, enquanto os animais amazônicos possuem fraca presença.

Foi o economista e estatístico Colin Clark, um homem branco britânico-australiano que criou esse sistema classificatório, lá pela década de 1920. Junto com o sistema, vieram alguns pressupostos eurocêntricos e, portanto, preconceituosos. Não somente ele, pois, obviamente, teóricos da economia liberal estavam de acordo quanto a tais análises. Dentre eles, podemos mencionar Allan Fisher e Jean Fourastié. A maior parte dos intelectuais de esquerda do campo da economia também concorda com essa percepção colonialista.

O primeiro equívoco deste sistema de classificação está em reduzir na categoria Setor Primário, diversas atividades socioculturais das chamadas “civilizações tradicionais”, equivalendo o “nível de desenvolvimento” destes – vejam o tamanho da arrogância – ao da Europa Medieval. Para chegar a essa conclusão, afirmam que tais civilizações são pouco desenvolvidas cientificamente e fazem “baixo uso de máquinas”. Mais do que isso, o sistema classificatório, advindo da economia liberal, baseia-se na falsa premissa de que os países que mais aprofundaram suas ligações com o capitalismo são referências da economia global.

O economista e pesquisador Maurício Adu Schwade, em 2014, em sua dissertação “Riquezas materiais e imateriais: relações cidade e campo na Amazônia” desmistifica uma série destes equívocos. Um deles tem sido assumido, inclusive, por parte da economia capitalista global, que reconhece a necessidade da conservação da biodiversidade, reduzida pela voracidade do grande capital. Neste sentido, são as populações tradicionais aquelas que mais podem contribuir, com seus modos de vida, para este quesito.

Por isso é que Schwade afirma que “o olhar que reduz a Amazônia à simples localização de recursos a serem explorados deve ser superado”. Mais do que isso, afirma a Amazônia “como espaço de uso, de produção de satisfação, de vivência, enfim, como possibilidades sempre renovadas de realização da vida”.

É assim que, na economia do beiradão, os parentes da cidade recebem as caixas de isopor com produtos de que necessitam para reproduzir suas formas de vida: o açaí, a bacaba, o patauá, o peixe, a farinha, o tucupi, a goma e tantos outros produtos. No tucupi, por exemplo, está inscrita uma tecnologia ancestral, que transforma o veneno da mandioca (a manipueira) em alimento, assim como o tipiti é a máquina para sua extração. Além disso, também, a casa de farinha, a engenharia das malocas são, diferente do que afirmaram os capitalistas liberais, processos complexos e tecnológicos, que não podem ser considerados marcas da economia de um povo subdesenvolvido.

Grande parte da Amazônia, com certeza, já foi sequestrada pela lógica do capital, mas é sempre necessário afirmar, reconhecendo que há grande e firme resistência em nosso território, o fracasso daquilo que um dia se chamou “desenvolvido”, o fracasso da revolução verde, que acabaria com a fome no mundo.

Contra o canto da sereia capitalista ainda grita, em agonia, uma exuberante floresta, ainda lutam seus povos!

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