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Miller dos Santos

Do verde ao cinza: uma questão de negócios

A destruição do meio ambiente e a crise humanitária na Amazônia exigem uma ação urgente para conter os danos e proteger a vida

Do verde ao cinza: uma questão de negócios

Foto: Miller dos Santos

Da minha janela, costumava contemplar um cenário de rara beleza: o verde exuberante das copas das árvores na mata não tão distante e o céu azul que parecia se estender infinitamente. Hoje, essa paisagem se tornou irreconhecível. A fumaça das queimadas, que visam o progresso dos herdeiros, pinta o céu de cinza e invade as vias respiratórias dos seres vivos, até mesmo dos torcedores de bilionários estrangeiros. O que antes era um momento de apreciação da natureza, do belo em sua mais alta essência, agora serve como um lembrete constante do regresso humano em relação ao amor pela vida. Os rios secam, os botos cozinham nas águas rasas, do Rio Solimões ao Rio Negro; a estiagem avança. Deputados patriotários mostram seu superpoder favorito: as fake news, enquanto a bancada ruralista demonstra pouco interesse pelo verdadeiro produtor rural. É fácil falar em profecias do fogo quando seus fanáticos promovem as queimadas. Tudo isso é uma questão de negócios.

Vivemos a maior seca histórica da região, com rios secando, botos em desenfreado risco e comunidades ribeirinhas lutando pela sobrevivência. A estiagem, combinada com as queimadas, trouxe à tona uma crise ambiental e humanitária sem precedentes. O pior é a falta de crise de consciência. Em 2023, durante a seca, segundo informações do Instituto Mamirauá, 209 botos foram encontrados mortos. Não há como não cozinhar em águas rasas com mais de 40ºC. Quem consegue contabilizar a quantidade de peixes e outros animais aquáticos que inevitavelmente serão mortos em 2024? E os animais que agonizam enquanto são queimados pelas ações criminosas? Há quem defenda que o progresso precisa chegar, que respira a fumaça e diz que “muito mato atrasa o desenvolvimento”, torce para os ricos que querem explorar as terras amazônicas na base da grilagem e do fogo. Pior que alguns desses defensores miseráveis são até parentes. Não estamos livres do complexo de vira-latas de cada dia.

A insuficiência de água potável é uma situação contraditória na região amazônica. Embora a água seja uma das principais características do cenário amazônico, o acesso à água encanada, na maioria dos lares das comunidades, ocorre através de um sistema de captação subterrânea. Entretanto, não é possível afirmar que ela esteja dentro dos parâmetros aceitáveis para o consumo humano, dada a ausência de estudos sobre a questão e monitoramento do poder público.

Os “defensores da vida” são, na verdade, mercadores da morte. Sem surpresas, sem ironias. Os rios secam, os ribeirinhos não conseguem se locomover e, sem possibilidade de pescar, o alimento fica escasso e a água insalubre. A dignidade é retirada do povo em detrimento do bem-estar de quem está ao longe. Os materiais tóxicos, como dioxinas e metais pesados, e os gases tóxicos, como monóxido de carbono e óxidos de nitrogênio, todos liberados pela fumaça, aumentam o risco de doenças pulmonares e cardiovasculares. Seca, queimadas e progresso agro: a combinação letal que promete alastrar as cenas de destruição pela Amazônia. Há quem sofra com tudo isso e, ainda assim, como no futebol, seja um fanático torcedor das corporações mercadoras da destruição. Assim como as queimadas, a seca não é um mero acidente.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), até o último domingo (01.09), a Amazônia registrou 65.667 queimadas. No mesmo período do ano passado, foram 32.145 registros, o que configura um aumento de 104% nas queimadas. Embora as autoridades governamentais falem de ações para melhorar a situação, talvez seja melhor duvidar. Além disso, toda essa situação reflete nossas escolhas políticas na hora de votar. Há trovões no Congresso que trazem nada além de chuvas de fake news nas redes sociais. É ideal que se avalie também o cuidado que os postulantes a representantes eleitos pelo voto tenham com o meio ambiente.

As recentes tragédias ambientais, infelizmente, causam comoções e revoltas passageiras. É preciso recusar a normalidade diante da crise climática. É necessário que os amazônidas, principalmente, se rebelem contra o progresso que destrói toda a vida do nosso ecossistema. Não podemos mais aceitar a tragédia como uma normalidade ou as falsas justificativas. A preservação da Amazônia é uma questão de sobrevivência, e todos temos um papel a desempenhar nessa batalha.

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