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Colunista

Ailane Brito

Os desafios das pedagogas indígenas em formação

Desafios das pedagogas indígenas na universidade incluem barreiras linguísticas, falta de suporte institucional e dificuldades financeiras, impactando sua formação e atuação profissional

Os desafios das pedagogas indígenas em formação

Foto: Arquivo pessoal

Nos últimos anos, as universidades do interior da Amazônia têm recebido um número significativo de estudantes indígenas. Na minha universidade, essa presença tem enriquecido o ambiente acadêmico, trazendo novas perspectivas, conhecimentos tradicionais e fortalecendo o debate sobre a valorização das culturas originárias.

Os desafios, no entanto, ainda são muitos. A adaptação a um sistema de ensino pensado a partir de uma lógica ocidental, a barreira linguística para aqueles que têm o português como segunda língua e a dificuldade de acesso a recursos e políticas de permanência são alguns dos obstáculos enfrentados.

A questão da língua portuguesa é um dos principais desafios enfrentados por esses acadêmicos. Para muitos, o português é uma segunda língua, sendo aprendido após a língua materna indígena, o que impacta diretamente a comunicação, a leitura e a escrita dentro do ambiente acadêmico. Esse obstáculo se torna ainda maior diante da linguagem técnica e formal exigida em cursos superiores, dificultando a compreensão dos conteúdos e a participação ativa em debates e produções acadêmicas.

O artigo “Realidade linguística de estudantes indígenas em uma universidade amazônica”, de Denize de Souza Carneiro, Paula de Mattos Colares e Crislaine Castro de Sousa, discute os desafios linguísticos enfrentados pelos acadêmicos indígenas na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). O estudo destaca que, dos 74 participantes, apenas 27 apresentam bi ou plurilinguismo ativo em línguas indígenas e no português, enquanto a maioria é monolíngue em português. Os autores questionam a narrativa institucional de que a dificuldade com o português é a principal barreira acadêmica, apontando para outros fatores, como dificuldades financeiras, lacunas na educação básica e falta de suporte institucional.

Embora as instituições adotem políticas de inclusão, como vagas específicas para estudantes indígenas e programas de apoio, a realidade mostra que ainda há uma grande lacuna no suporte linguístico e pedagógico. Poucas universidades oferecem cursos de nivelamento em português acadêmico, materiais bilíngues ou metodologias adaptadas à diversidade linguística desses alunos. Como consequência, muitos acadêmicos indígenas enfrentam dificuldades para acompanhar as disciplinas, interpretar textos científicos e expressar suas ideias com segurança, o que pode levar à evasão universitária.

Uma colega indígena da minha turma do curso de Pedagogia me relatou sua experiência na universidade, destacando as barreiras que enfrenta para permanecer no ensino superior. Compartilho aqui suas palavras, que refletem a realidade de muitos estudantes indígenas:

“Desde quando eu ingressei no ambiente acadêmico, o maior desafio para mim foi a questão da língua portuguesa, apesar de ser uma segunda língua para mim. Eu ainda sinto dificuldade na comunicação aqui citada, pois, por causa da língua portuguesa, tenho dificuldade ainda. Na sala de aula, eu me sinto acolhida pelos colegas e pelos professores. Às vezes sim, muitas vezes não, por falta de entendimento da língua que citei acima. Aí sim me sinto à vontade para expressar e partilhar minhas ideias. Às vezes não, porque existem palavras difíceis em língua portuguesa que não consigo compreender muito bem.” — Cassiane WaiWai

O relato da minha colega indígena evidencia um dos desafios mais profundos enfrentados por estudantes indígenas no ensino superior: a barreira linguística. O português, apesar de ser a segunda língua para muitos, ainda se torna um obstáculo na comunicação e na compreensão dos conteúdos acadêmicos, especialmente devido ao uso de termos técnicos e expressões complexas.

Embora o acolhimento por parte de colegas e professores seja um fator positivo, a dificuldade com a língua pode gerar insegurança na hora de expressar ideias e participar ativamente das discussões em sala de aula. Isso não é apenas uma questão individual, mas um reflexo da falta de adaptação das instituições de ensino à diversidade linguística e cultural dos estudantes indígenas.

A monitoria acadêmica é uma ferramenta essencial para auxiliar os estudantes no processo de aprendizagem, especialmente em disciplinas que exigem maior aprofundamento teórico e prático. No entanto, a ausência ou a insuficiência desse suporte nas universidades — neste caso, refiro-me à minha, no interior da Amazônia — tem impactos diretos no desempenho acadêmico, afetando principalmente estudantes que enfrentam dificuldades com a língua portuguesa, diferenças culturais e lacunas na formação básica.

Outra acadêmica indígena, do mesmo curso, mas de turma diferente, me relatou o seguinte:

“Nós, estudantes indígenas, enfrentamos uma série de desafios ao ingressar e permanecer na academia. Algumas das dificuldades mais significativas estão nas barreiras financeiras, na falta de suporte institucional e na ausência de representatividade dentro das universidades. Nós, indígenas, viemos de comunidades e aldeias mais distantes das cidades, com poucos recursos financeiros, o que dificulta a manutenção dos estudos, a compra de materiais acadêmicos e a permanência em cidades distantes de nossas terras de origem. Principalmente isso ocorre com os estudantes que estudaram dentro das aldeias indígenas, pelo fato de terem vivências completamente diferentes. Ao ingressar na universidade, reparamos uma vivência completamente nova, mas, mesmo assim, alguns alunos que têm condição podem permanecer, mesmo com dificuldades e obstáculos, principalmente os financeiros. Porém, isso faz parte da nossa realidade. Além disso, a necessidade de conciliar responsabilidades familiares e comunitárias com as exigências do ensino superior adiciona mais uma camada de dificuldade ao percurso acadêmico.” — Vânia França

Esses são apenas dois relatos diante da realidade de muitos acadêmicos indígenas, o que evidencia a necessidade urgente de políticas educacionais mais eficazes que não se limitem apenas ao ingresso, mas também garantam a permanência e o sucesso dos estudantes indígenas na universidade.

Diante de tantas dificuldades ao longo da graduação em Pedagogia que as minhas colegas indígenas carregam consigo, persiste o seguinte questionamento: como poderão atuar de forma eficiente após a formação, se o próprio sistema acadêmico não oferece o suporte necessário para seu desenvolvimento pleno?

Desde o ingresso na universidade, esses alunos lidam com barreiras financeiras, dificuldades com a Língua Portuguesa, ausência de monitoria e falta de políticas de permanência. Muitos chegam ao final do curso sem a segurança necessária para exercer a profissão, pois a formação não foi planejada para atender às suas especificidades culturais e linguísticas. O próprio currículo do curso de Pedagogia, muitas vezes, ignora os saberes indígenas e impõe um modelo de ensino que não dialoga com a realidade das comunidades.

O sistema educacional exige que esses futuros pedagogos ensinem dentro de uma estrutura padronizada, que pouco valoriza as metodologias indígenas e o ensino bilíngue. Dessa forma, ao retornarem às suas comunidades, muitos enfrentam um dilema: aplicar o que aprenderam na universidade, mesmo que não faça sentido para sua cultura, ou buscar formas alternativas de ensino que podem não ser reconhecidas oficialmente.

A inclusão verdadeira vai além do acesso. Garantir que os acadêmicos indígenas possam aprender e se expressar plenamente é um compromisso que as universidades precisam assumir para que a diversidade cultural seja respeitada e valorizada dentro do ensino superior.

Se o sistema universitário continuar ignorando essas questões, continuará formando pedagogos indígenas que, ao invés de estarem preparados para atuar com autonomia e confiança, sairão inseguros e sem o suporte necessário para promover uma educação que respeite suas culturas e realidades.

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