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Colunista

Ailane Brito

Dragagem no Rio Tapajós: progresso ou destruição anunciada?

Autorização para drenagem no Rio Tapajós ignora decisão judicial e levanta preocupações sobre impactos ambientais e violações aos direitos indígenas

Dragagem no Rio Tapajós: progresso ou destruição anunciada?

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAS/PA) emitiu a autorização nº 5776/2025, com validade até 12 de fevereiro de 2026, permitindo a execução de dragagem no Rio Tapajós. A medida, solicitada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT), visa facilitar a navegação de comboios de barcaças do agronegócio na Hidrovia do Tapajós.

No entanto, a decisão desafia não apenas a Recomendação nº 11/2024 do Ministério Público Federal (MPF), mas também uma decisão judicial que determinava a suspensão do processo até a realização de consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas e tradicionais afetadas. Além disso, a decisão da SEMAS/PA levanta preocupações sobre os possíveis impactos ambientais da dragagem, como a alteração da dinâmica do rio, a destruição de habitats aquáticos e a contaminação da água.

A dragagem do Rio Tapajós é um tema controverso, com defensores argumentando que é essencial para o desenvolvimento econômico da região e críticos expressando preocupações sobre os impactos ambientais e sociais. A decisão da SEMAS/PA de autorizar a dragagem, apesar da oposição do MPF e de uma decisão judicial, provavelmente levará a mais debates e contestações sobre o projeto.

A importância ambiental do Rio Tapajós

O Rio Tapajós é um dos principais cursos d’água da Amazônia, desempenhando um papel fundamental na regulação do clima e na manutenção da biodiversidade da região. Suas águas abrigam uma vasta variedade de espécies de peixes, répteis e mamíferos, muitos deles endêmicos. Além disso, sua bacia hidrográfica sustenta ecossistemas essenciais para a manutenção do equilíbrio ambiental, garantindo a recarga de aquíferos e a fertilidade das várzeas.

Qualquer alteração drástica no seu fluxo, como a dragagem em larga escala, pode resultar em impactos irreversíveis, afetando diretamente a qualidade da água, a fauna aquática e os processos ecológicos que mantêm a floresta de pé. O Tapajós não é apenas um rio, mas um sistema vivo que interage com toda a Amazônia, influenciando desde o regime de chuvas até a reprodução de espécies vitais para a cadeia alimentar. Proteger o Tapajós é crucial para a Amazônia e o equilíbrio climático global.

Um projeto de destruição ambiental e desrespeito aos povos indígenas

Os estudos que tentam justificar o projeto da Ferrogrão foram elaborados pela própria empresa interessada na concessão: a Estação da Luz Participações (EDLP). Em vez de contratar uma equipe técnica imparcial, o governo aceitou a realização dos estudos por quem tem interesse direto em operar e lucrar com a ferrovia. Além disso, os documentos utilizam termos de referência de 2014, como se os desastres ambientais ocorridos na última década não tivessem relevância. Isso não é apenas uma prática questionável, mas um evidente conflito de interesses que coloca em risco a credibilidade do processo.

A proposta em questão não se apresenta como um empreendimento isolado, mas sim como parte integrante de um plano estratégico do agronegócio, visando a criação de um novo corredor logístico no coração da Amazônia. Esse projeto ambicioso busca transformar o Rio Tapajós em uma hidrovia, conectada à Ferrogrão, uma ferrovia que almeja ligar os grãos produzidos no Mato Grosso aos portos localizados no Pará.

Essa iniciativa controversa implica a travessia de Unidades de Conservação, na invasão de territórios indígenas e na alteração irreversível do curso dos rios. Tudo isso com o intuito de atender a um modelo de exportação intensiva, voltado para o mercado global.

Trata-se de uma estratégia que coloca em risco uma porção sensível da Amazônia, com o objetivo de beneficiar um setor que se oculta por trás de campanhas publicitárias enganosas, mas que, de acordo com cientistas que estudam o sistema terrestre, figura entre os principais vetores que impulsionam o planeta para além de seus limites ecológicos.

A realidade é clara: a destruição ambiental é impulsionada pela busca incessante de lucro de grandes poluidores. Uma busca implacável por acumulação de riqueza que se traduz na exploração de recursos naturais, no desmatamento desenfreado, na poluição atmosférica e hídrica, e outros impactos negativos que afetam desproporcionalmente as comunidades mais vulneráveis.

O impacto sobre os povos indígenas e o meio ambiente

O povo Munduruku, habitante ancestral das margens do Tapajós, vem denunciando a invalidade dos estudos de viabilidade apresentados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), justamente por não ter sido consultado. Para eles, o rio não é apenas um recurso natural, mas um ente sagrado, vital para sua cultura e subsistência.

A dragagem, ao remover sedimentos e alterar o leito do rio, ameaça destruir habitats aquáticos, aumentar a turbidez da água e comprometer a pesca artesanal, fonte de alimento e renda para inúmeras famílias ribeirinhas. Além disso, o descarte inadequado dos materiais dragados pode introduzir contaminantes no ecossistema, agravando ainda mais os impactos ambientais.

A contradição com os compromissos da COP30

O Brasil, enquanto sede da COP 30, deveria ser exemplo de integridade ambiental e de respeito aos direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, mas a realidade das suas políticas ambientais é, muitas vezes, contraditória e insuficiente diante dos desafios climáticos que enfrentamos. Como o país pode ser um protagonista da sustentabilidade se, ao mesmo tempo, autoriza projetos como a dragagem do Tapajós, que ameaçam diretamente a biodiversidade e os modos de vida tradicionais?

É frustrante perceber que, enquanto o Brasil se prepara para um evento global em que se espera um compromisso firme com a sustentabilidade, o governo segue permitindo a execução de projetos que são claramente prejudiciais ao meio ambiente.

É preciso reavaliar ações como essa, que contradizem o discurso de proteção da Amazônia. A  realização da COP30 no Pará deveria ser uma oportunidade para reforçar o compromisso com políticas sustentáveis e inclusivas, e não para aprovar projetos que violam direitos e degradam o meio ambiente.

Desenvolvimento a qualquer custo?              

Diante desse cenário, é imperativo questionar: até que ponto estamos dispostos a sacrificar ecossistemas únicos e culturas milenares em nome do progresso econômico? A quem realmente serve esse desenvolvimento que desconsidera vozes e direitos de comunidades inteiras? A implementação de projetos dessa magnitude, sem o devido respeito às populações locais e ao meio ambiente, não seria uma forma moderna de colonização e extermínio cultural?

É urgente que as autoridades revejam suas prioridades e procedimentos, assegurando que o desenvolvimento não seja sinônimo de destruição, mas sim de inclusão e respeito à diversidade socioambiental que compõe a riqueza do nosso país.

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