
Foto: Canva IA
A decisão de sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) em Belém, capital do Pará, tem sido celebrada como um marco para o Brasil e a Amazônia. A COP é um evento anual que reúne líderes de diversos países para discutir ações e compromissos voltados para a redução das emissões de gases de efeito estufa e para a adaptação às mudanças climáticas. A escolha de Belém como sede reforça a relevância da Amazônia na agenda ambiental mundial, já que a floresta desempenha um papel essencial na regulação do clima e na biodiversidade do planeta. No entanto, essa escolha também levanta questões críticas sobre as contradições entre o discurso climático global e a realidade ambiental e social da região. Enquanto líderes mundiais debaterão soluções para a crise climática, a história do Pará revela um cenário marcado por exploração predatória, conflitos territoriais e devastação ambiental.
A devastação da floresta no estado tem sido intensificada pelo avanço do agronegócio e pelas atividades ilegais, como grilagem de terras e garimpo. Em fevereiro de 2025, o Pará registrou 15 km² de áreas desmatadas, ocupando o terceiro lugar entre os estados com maior desmatamento no mês, atrás de Mato Grosso (29 km²) e Roraima (18 km²). Essa realidade contrasta com a imagem sustentável que o Brasil deseja projetar ao sediar a COP30.
Infraestrutura precária e investimentos questionáveis
A escolha de Belém como sede da COP30 ocorre em um contexto de extrema precariedade estrutural. A cidade enfrenta problemas crônicos de saneamento básico, mobilidade urbana e segurança. Mais de 80% da população não possui acesso adequado às redes de esgoto, enquanto rios e igarapés seguem poluídos por resíduos não tratados.
Apesar dessas deficiências, bilhões de reais estão sendo destinados a obras voltadas apenas para a preparação do evento, como a revitalização da orla e a construção de estruturas temporárias para receber os participantes. A priorização desses investimentos levanta questionamentos sobre o real compromisso com o desenvolvimento sustentável do Pará ou se a COP30 será apenas mais um evento “para inglês ver”.
Repercussão internacional: críticas e preocupações
A imprensa internacional tem destacado a ironia e as consequências ambientais das obras realizadas para a COP30. O jornal britânico The Times noticiou que cerca de 13 quilômetros de floresta amazônica estão sendo desmatados para a construção de uma rodovia de quatro pistas em Belém, cidade que sediará a COP30. A construção, iniciada em junho do ano passado, visa reduzir o congestionamento, mas levantou preocupações entre moradores e conservacionistas devido ao seu impacto ambiental. A rodovia pode resultar em efeitos de “espinha de peixe” desmatados, fragmentando a área de proteção ambiental de Belém e o parque estadual do Utinga, lar de mais de 800 espécies de plantas e fungos. Além disso, o projeto está perturbando os meios de subsistência locais dependentes dos produtos florestais. Apesar do governador do estado, Helder Barbalho, rotular a estrada como sustentável, com ciclovias e iluminação movida a energia solar, a pressa do governo estadual em preparar Belém para a cúpula é criticada por ameaçar ainda mais a Amazônia.
O El País destacou que o Brasil sediará a próxima cúpula climática COP30 em Belém, uma cidade amazônica que sofre com carências infraestruturais, como a falta de saneamento básico e uma capacidade hoteleira insuficiente. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva impulsionou a realização da cúpula em Belém para que os delegados internacionais experimentem em primeira mão os desafios ambientais da região. Enquanto isso, segue o debate sobre a possível exploração petrolífera no delta do Amazonas, com posições divergentes entre Lula e sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
O New York Post criticou o presidente brasileiro por afirmar que, desta vez, a COP não será apenas sobre a Amazônia, mas acontecerá dentro dela, trazendo o debate para o coração da floresta. A crítica se estendeu ao governo estadual, que apesar de ter reiterado que a rodovia é “sustentável”, a afirmação é controversa e não convence moradores e conservacionistas, que seguem criticando o projeto.
Povos tradicionais à margem
Os povos indígenas e comunidades ribeirinhas do Pará são historicamente os maiores defensores da floresta, mas também os mais marginalizados nas tomadas de decisão. Na organização da COP30, diversas entidades denunciaram a falta de diálogo com as populações tradicionais, evidenciando a exclusão de quem realmente protege a Amazônia.
Reafirmo que não há justiça climática sem justiça educacional e social para aqueles que protegem a floresta. A COP30 deveria ser um momento de reconhecer que as soluções ambientais não surgem de políticas impostas de cima para baixo, mas do fortalecimento das comunidades que há séculos convivem de forma sustentável com a biodiversidade amazônica.
Em uma carta aberta, mais de 30 organizações indígenas criticaram a forma como o evento está sendo conduzido, sem garantia de participação ativa das comunidades que vivem e resistem no território amazônico. Enquanto discursos ambientais são propagados globalmente, na prática, os direitos desses povos continuam sendo violados.
O recente levantamento que aponta a contaminação de 99% da população Xikrin do Cateté por metais pesados expõe, mais uma vez, o impacto devastador da mineração no Brasil. O Ministério Público Federal (MPF) já acionou judicialmente a Vale, a União e o Estado do Pará, cobrando medidas emergenciais para mitigar os danos causados pela extração mineral desenfreada. No entanto, a questão transcende a responsabilidade jurídica da mineradora: trata-se de um genocídio ambiental e humano em curso, conduzido sob a omissão conivente do Estado. A contaminação dos Xikrin do Cateté é um símbolo do desafio que o Brasil enfrenta para provar seu compromisso com a justiça climática e ambiental.
Dados científicos mostram que áreas habitadas por povos tradicionais possuem os menores índices de desmatamento e são fundamentais para a captura de carbono. Mas como manter essa proteção se as próprias populações indígenas estão sendo envenenadas?
Um chamado à coerência e à justiça ambiental
A realização da COP 30 no Pará deveria ser uma oportunidade para alinhar discursos globais às realidades locais. No entanto, as ações empreendidas até agora revelam uma desconexão preocupante entre a agenda internacional e os desafios ambientais e sociais da Amazônia.
Durante a Cúpula de Líderes do G20, realizada em novembro de 2024 no Rio de Janeiro, Lula afirmou que não podemos adiar para Belém a responsabilidade de Baku e alertou que a COP 30 será nossa última oportunidade de evitar uma ruptura irreversível no sistema climático.
Enquanto Lula enfatiza a necessidade de preservar a Amazônia e combater o desmatamento ilegal, algumas das iniciativas de infraestrutura promovidas por Barbalho são vistas como contraditórias a esses objetivos.
Se o Brasil não conseguir superar essa dissociação entre discurso e ação, a COP30 poderá ser vista como um evento de discursos vazios e promessas não cumpridas.
Se a intenção é realmente proteger a floresta e combater as mudanças climáticas, a COP30 precisa ir além de compromissos simbólicos e garantir políticas que respeitem as comunidades locais, interrompendo o ciclo de destruição e promovam uma verdadeira justiça ambiental. Caso contrário, o evento corre o risco de ser apenas mais uma conferência marcada por discursos vazios e promessas não cumpridas.
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