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Colunista

Ailane Brito

A escrita como ato de resistência e transformação para as mulheres

No Dia Internacional da Mulher, refletimos sobre a escrita como ferramenta de resistência e transformação na luta por igualdade

A escrita como ato de resistência e transformação para as mulheres

Ailane Brito, Jennify Duarte, Marilene Barros, Ana Helena Canto, Jamilly Santos e Fernanda Couto (da esquerda para a direita). Foto: Arquivo pessoal

Nasci para ser muitas: mulher, mãe, radialista, técnica em Agroecologia, estudante de Pedagogia, colunista e outras faces que ainda vou construir. Cada uma dessas facetas representa um pedaço de mim, um reflexo das batalhas que travo todos os dias para existir e resistir em um mundo que, muitas vezes, tenta silenciar as vozes femininas. No Dia Internacional da Mulher, não celebro apenas conquistas, mas reafirmo minha luta e a de tantas outras que, como eu, desafiam os limites impostos pela sociedade.

Desde cedo, aprendi que ser mulher é carregar um legado de coragem. No rádio, descobri o poder da voz; com a Agroecologia, compreendi que a terra nos ensina resiliência; na Pedagogia, encontrei a chave para transformar realidades por meio da educação. Na poesia e na música, expresso dores e sonhos, transbordando sentimentos que não podem ser contidos. Hoje, também sou colunista na rede Norte em Foco, um espaço onde compartilho reflexões e discuto temas essenciais para nossa sociedade.

Ao longo dessa jornada, testemunhei as desigualdades que marcam a vida das mulheres. No campo ou na cidade, nas escolas ou nos espaços de trabalho, ainda somos desafiadas a provar nossa competência e dignidade. No entanto, também vi mulheres se erguerem, se apoiarem e se fortalecerem mutuamente, construindo pontes onde antes havia muros.

Hoje, minha voz se soma a muitas outras na busca por um mundo mais justo e inclusivo. Como técnica em Agroecologia, defendo práticas sustentáveis que respeitem a natureza e as comunidades; como futura pedagoga, sonho com uma educação que valorize a diversidade e a equidade, pois sei que o conhecimento liberta e transforma; e como colunista, escrevo porque acredito que as palavras têm o poder de provocar reflexões e inspirar mudanças.

A escrita é mais do que palavras no papel. Para muitos, ela é um ato de resistência, uma forma de lutar contra silenciamentos históricos e afirmar sua existência. Conceição Evaristo expressa essa potência ao dizer: “A escrita é para mim o movimento de dança-canto que o meu corpo não executou, é a senha pela qual eu acesso o mundo.” Sua fala ecoa a realidade de quem encontra na palavra um território de liberdade, um espaço onde a voz ganha corpo e ultrapassa barreiras.

No Dia Internacional da Mulher, refletir sobre a escrita como dança-canto e senha para acessar o mundo é reconhecer o papel da palavra como ferramenta de existência e resistência. A literatura feminina, sobretudo a de mulheres negras, tem sido um espaço de denúncia, memória e reinvenção. Celebrar essa data é também reafirmar o direito das mulheres de narrar suas próprias histórias, rompendo barreiras e ocupando espaços que sempre lhes pertenceram.

A literatura e a escrita são ferramentas fundamentais na luta por reconhecimento e justiça social, especialmente para nós, mulheres. A poesia de Marilene Barros ecoa essa necessidade ao afirmar: “Sou MULHER! No devir da minha história / Tudo que almejo agora / É que no chão da diversidade / Sejamos tratadas com equidade…” Esses versos sintetizam a urgência de um mundo onde a equidade não seja apenas um ideal, mas uma prática real. Em um contexto de exclusão e desigualdade histórica, a escrita se torna um ato de resistência, reafirmando que mulheres devem ser reconhecidas como pilares na reconstrução da sociedade. Esse chamado à equidade reforça a importância da literatura não apenas como forma de expressão, mas como caminho para o empoderamento e a cidadania.

Buscando aprofundar essa reflexão, questionei a professora e escritora Marilene Maria Aquino Castro de Barros, doutora em Educação e voz ativa da mulher obidense, sobre o potencial da literatura como um ato de resistência. E como ela enxerga esse papel da resistência presente em sua própria escrita. Em resposta, ela compartilhou sua visão, citando logo de início um poderoso manifesto:

“Allê Barbosa poetizou que, ‘queriam que ela fosse do lar, mas ela era do ler, como essa liberdade ela era de onde quisesse ser.’ Com essa frase traço minhas palavras sobre o poder da escrita e da leitura, mas não de qualquer escrita e/ou leitura, porém de como práticas fundamentais para a conquista da cidadania. Ao se tratar do saber escrever, ler, compreender e interpretar as coisas no contexto das mulheridades, nos faz redimensionar o quanto a literatura é ponte, caminho e luz necessária para nos reconhecermos como sujeitos históricos e de direitos e, assim, o quanto merecemos ser respeitadas na busca por nosso lugar ao sol.”

Nessa perspectiva, busco enveredar meus escritos de forma crítica e humanizadora, onde, independente do ser e estar no mundo, possamos viver e conviver com nossos pares sob a égide do respeito, da tolerância, da empatia. Escrever sob esse prisma filosófico me coloca numa condição permanente resistência contra a exclusão, marginalização, inferiorização e desigualdade da minha condição de mulher na sociedade. É nesse sentido que o lugar da mulher é onde ela quiser ser, estar, permanecer e, como pontua Betty Smith, o mundo foi feito para ela ler e, completo dizendo, para ela desbravar, conquistar, viver e ser feliz.”

A força da escrita como ato de resistência ecoa em cada palavra da professora Marilene Barros. Acredito, assim como a professora, que a literatura tem o poder de construir pontes entre as pessoas, promovendo o respeito, a tolerância e a empatia. Escrever sob esse prisma filosófico me coloca em um estado de resistência permanente contra a exclusão, a marginalização, a inferiorização e a desigualdade, especialmente no que tange à minha condição de mulher na sociedade.

A escrita sempre foi uma aliada das que tiveram sua voz negada, daquelas que precisaram transformar dor em palavra e palavra em ação. Desde os tempos coloniais até os dias atuais, a literatura, a poesia, o jornalismo e até as redes sociais têm sido trincheiras onde os marginalizados reconstroem sua própria história, rompendo com narrativas que tentam apagá-los.

Ao escrever, ocupamos um espaço que, muitas vezes, nos foi negado. A palavra escrita tem um poder que transcende o presente: ela denuncia, incomoda, educa e, sobretudo, resiste. Quando mulheres negras escrevem, resgatam memórias que o racismo estrutural tentou silenciar. Quando mulheres indígenas registram suas histórias, elas reafirmam sua identidade em face da imposição de uma cultura que as marginaliza. Ao se expressar, a mulher marginalizada quebra o estigma da invisibilidade e revela sua potência criativa. Mas a escrita não é apenas sobre luta – ela também é esperança. É por meio das palavras que imaginamos outros futuros, construímos pontes entre diferentes realidades e plantamos sementes de transformação. Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Eliane Potiguara, Cidinha da Silva, Marilene Barros e tantas outras escritoras nos mostraram que narrar a própria história é um ato revolucionário.

Em tempos de desinformação e discursos de ódio, escrever torna-se ainda mais urgente. Não basta apenas ter voz; é preciso fazer com que ela seja ouvida. Por isso, escrever é também um compromisso com a verdade, com a memória e com a justiça. Nossa escrita é um território de resistência, um ato de amor próprio e coletivo, um grito que ecoa para além das páginas.

Assim, sigo escrevendo. Porque minha voz é minha luta. Porque a palavra é minha arma e minha esperança. Porque, enquanto houver injustiça, o silêncio nunca será uma opção.

Ser mulher é resistir, inovar e abrir caminhos. É saber que nossa presença importa e que nossas palavras têm poder. Que sigamos escrevendo nossa história com força, coragem e propósito.

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