Teve gente que fez piada da fala da Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, quando a mesma referiu-se à morte de 12 pessoas em tragédias ocasionadas pelas fortes chuvas que atingiram regiões da cidade do Rio de Janeiro, como “efeito de racismo ambiental e climático”.
O temporal, que caiu na semana passada, em áreas consideradas de risco, fez vítimas fatais e deixou mais de 500 pessoas desabrigadas.
Há, ainda, aqueles que, ao ouvir a expressão dita pela ministra, dizem – como eu já ouvi várias vezes – aquela célebre anedota: “Pronto, agora tudo é racismo!”
E é mesmo quando se considera que o racismo se encontra incrustado em todas as estruturas da nossa sociedade!
O artigo 6º da Constituição Federal garante direito à moradia, saúde, segurança, assistência aos desamparados e outros direitos sociais que, desde a promulgação desta Lei Maior, nunca foi respeitado e cumprido em sua totalidade.
O Brasil pós-colonização abraçou fortemente a lógica do capitalismo e, até os dias de hoje, permite e alimenta a propriedade privada, a indústria imobiliária e determina as regiões periféricas como o lugar de pobres, quilombolas, pesqueiros, periféricos, indígenas e ribeirinhos.
Em relação às populações negras africanas e afrodescendentes, desde a abolição da escravização, não restou alternativa senão agruparem-se em territórios longínquos, normalmente em áreas de risco ambiental, sem organização, sem serviços básicos de fornecimento de água potável, esgoto e saneamento.
Ainda, sabe-se que as comunidades negras têm menos poder político e econômico neste país devido ao “racismo à brasileira”.
Conseguir um terreno para morar é muito mais difícil para essa parcela de cidadãos, que até hoje se vê obrigada a buscar lugares à margem dos grandes centros para se instalar.
Neste contexto é que está inserido o termo racismo ambiental. As minorias étnicas sofrem mais os impactos negativos da degradação ambiental enquanto as populações privilegiadas têm acesso a melhores condições de proteção ambiental, pois pagam (caro) por isso.
Por estes motivos, a ministra citou a expressão racismo ambiental. Não se trata de invenção e sim de um sistema de discriminação socioespacial, que exclui dos direitos básicos de cidadania a parcela de indivíduos que não tem como comprar a dignidade.
O racismo ambiental acontece quando as políticas e projetos ecossustentáveis são implementados de forma a prejudicar deliberadamente as populações mais vulneráveis ou, na maioria das vezes, nem implementados são.
Se levantarmos a cabeça para olhar para os lados, é possível observar que o racismo ambiental se faz muito presente na paisagem urbana de Manaus.
As consequências das intempéries ocasionadas pelo desequilíbrio e degradação do meio ambiente que estamos testemunhando, impactam mais fortemente as pessoas que moram em entornos que não são seguros para habitação, como pontos de rip rap, beiradas de igarapés e rios e em áreas com risco de deslizamentos de terra.
Recentemente, na região centro-sul da cidade, ocorreram incêndios em diferentes espaços de ocupação desordenada de moradia, em que devido a proximidade dos barracos circunvizinhos, o fogo alastrou-se com facilidade, causando prejuízos a muitas famílias.
Somente após o desastre, o poder público busca fazer valer o direito constitucional desses cidadãos, concedendo condições de moradia às famílias atingidas.
Enquanto isso, estradas e rodoanéis, praças e calçadões nas avenidas de grande fluxo estão sendo construídos, para servir de mote de campanha de publicidade governamental.
Para dar uma tapa no visual da cidade, maquiam-se os chãos, bancadas e muretas, bem coloridas, que junto com os memes nas redes sociais, engabelam os ingênuos que se contentam com o pão e circo que está dando certo como estratégia de torpor coletivo.
E, assim, o racismo ambiental vai aprimorando o desenho da desigualdade social em todo o território brasileiro.
Sandra Roberta 30/01/24 - 21:46
Texto muito necessário, informativo e pontente. Obrigado por nos inspirar com a força dessa escrita.
Fanuela Vasconcelos 30/01/24 - 23:19
Seu comentário fortalece mais ainda. Obrigada também, pela leitura. Saudações!