Em recente carta de Paulo Freire, psicografada pelo médium Paulino da Conceição, ele afirma sua estupefação diante de uma contradição. Diz o educador pernambucano:
Tantas universidades me concedem títulos de Doutor Honoris Causa, mas em nenhuma delas eu poderia pertencer a um Programa de Pós-Graduação. Eu não publiquei artigos em periódicos renomados e agora tem esse tal de Qualis A1 como condição. Então, tanta gente me cita, me homenageia, mas, no fundo, com esses critérios atuais, pessoas como eu não teriam muita chance de prosperar nesse meio!
Confesso que também acho engraçado que as universidades que demoraram tanto tempo a dar algum crédito para a ciência e que sequer criaram as mais antigas e importantes revistas científicas, hoje as coloquem numa posição de tamanha relevância. Charles Darwin, coitado, que nem curso superior em Biologia tinha, jamais lecionaria em algum Departamento de Biologia de universidade brasileira. Que dirá inglesa! Newton, Pasteur, Galileu e tantos outros. Coitados! Nunca publicaram numa Qualis A1! Darwin, portanto, atualmente seria descredenciado da maioria dos programas de pós-graduação na área de Biologia.
Na verdade, não falo contra esse critério, que, aliás, acho ótimo! De verdade! Alguns dos critérios utilizados para que um bom periódico seja bem classificado, para que seja uma A1, são ótimos! Por exemplo, diversidade de origens dos trabalhos, ou seja, a revista precisa receber e publicar artigos de diferentes instituições e países. A revista também precisa de difusão e popularidade, assim, quanto mais conhecida a revista, melhor classificada ela é. Além disso, os artigos precisam ter relevância e impacto na sociedade.
Então a questão é que este critério é bom, mas não deveria ser excludente. Afinal, muitos intelectuais que são influentes nas universidades até os dias atuais, como Foucault, Freire, Bourdieu, Darwin, Krenak ou Viveiros de Castro, redigiram, em livros, grande parte de seu pensamento, desenvolveram ideias transformadoras que são adotadas, inclusive, em programas de pós-graduação nacionais e internacionais.
Adoraria ver as universidades, em seus concursos públicos, seleções para ingresso na graduação ou pós-graduação, interessadas em saber mais coisas sobre os professores universitários do que seus currículos Lattes ou a quantidade de artigos publicados em periódicos Qualis A1. Em mais de uma oportunidade, por exemplo, para atender aos critérios do Edital do Concurso, eu, membro da banca, acabei por aprovar pessoas péssimas, que mal conseguem se relacionar com seus colegas de departamento, que perseguem alunos, que dão aulas péssimas, que mal se declaram professores, mas que são altamente produtivos se o critério de escolha for a publicação de artigos em periódicos Qualis A1.
Adoraria perguntar, num concurso público, se o candidato planta árvores, gostaria de fazer uma pesquisa para saber se ele é racista ou LGBTfóbico, saber se consome pornografia infantil. Queria saber, também, se algum dia já foi síndico, se escreve poesia, toca instrumentos, queria ver como trata os funcionários de empresas terceirizadas ou a sua empregada doméstica, se tem relação com grupos neonazistas, se maltrata animais, se joga lixo pela janela do carro.
Sem essas preocupações, seguiremos sendo universidades tecnocráticas, formando gente insensível, criando antros de bolsonaristas em certos cursos e áreas, mas, sobretudo, deixando de produzir conhecimento e tecnologia que nos possibilite produzir reais transformações na sociedade. Deixar de observar critérios intelectuais mais amplos, critérios humanísticos mais abrangentes é selecionar docentes a partir de filtros insensíveis, é produzir, como em alguns momentos históricos, uma universidade irrelevante.