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Foto: Reprodução / YouTube / TV Senado
A Procuradoria-Geral da República denunciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao STF (Supremo Tribunal Federal) por integrar uma organização criminosa que liderou uma tentativa de golpe de Estado no Brasil após a sua derrota nas eleições de 2022.
O documento é baseado no relatório final da Polícia Federal, que já tinha indiciado o ex-presidente. Agora, o STF (Supremo Tribunal Federal) analisará o documento na Primeira Turma e decidirá se instaura um processo criminal contra Bolsonaro e os demais acusados. Avalia-se que apenas a abertura do processo se dará na Primeira Turma, onde está o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. A expectativa é que o julgamento do mérito, ainda esse ano, ocorra no Plenário do STF com todos os ministros.
A PGR decidiu denunciar todos os envolvidos apontados pela PF na tentativa de golpe, mas optou por separar as denúncias contra os envolvidos a partir de núcleos de atuação.
Bolsonaro e generais em ‘núcleo crucial’ do golpe
Bolsonaro é arrolado na principal denúncia, ao lado do general Walter Braga Netto –ministro em seu governo e vice na chapa derrotada na eleição de 2022. Também figuram no grupo os ex-ministros Augusto Heleno (GSI), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) e Anderson Torres (Justiça), assim como o almirante Almir Garnier, comandante da Marinha no governo Bolsonaro, e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que chefiou a Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
De acordo com a peça da PGR, Bolsonaro e os demais citados “formaram o núcleo crucial da organização criminosa”. Ainda segundo a PGR, “deles partiram as principais decisões e ações com impacto social” narradas na denúncia.
Ao todo, a PGR lista 34 pessoas como integrantes da organização criminosa montada por Bolsonaro para dar um golpe de Estado no Brasil.
A PGR elaborou uma introdução comum para todas as denúncias, destacando a gravidade dos fatos narrados. De acordo com os investigadores, as denúncias “relatam fatos protagonizados por um Presidente da República que forma com outros personagens civis e militares organização criminosa estruturada para impedir que o resultado da vontade popular expressa nas eleições presidenciais de 2022 fosse cumprida, implicando a continuidade no Poder sem o assentimento regular do sufrágio universal”.
Além de Bolsonaro, a PF tinha indiciado 39 personagens entre ex-ministros, militares e alguns de seus principais auxiliares. Só entre militares há mais de uma dezena. Além de Bolsonaro, o general Walter Braga Netto também foi indiciado e está preso desde dezembro. Junto a ele o general Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, e o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier.
A PF arrecadou ao longo de quase dois anos de investigações milhares de dados obtidos em celulares e computadores e diversos depoimentos mostrando como foi forjado um plano para impedir que o presidente Lula tomasse posse em janeiro de 2023. Neste plano, estava incluído até o planejamento do assassinato do presidente, do vice-presidente Geraldo Alckmin, e do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Plano Punhal Verde e Amarelo
Dados localizados em celulares e computadores dos investigados desde a Operação Tempus Veritatis, em 8 de fevereiro deste ano, mostram que, em 9 de novembro de 2022, apenas cinco dias depois da live de Cerimedo, o general Mário Fernandes, ex-chefe-substituto da Secretaria Geral da Presidência, imprimiu um plano para descrever ações armadas que visavam impedir a posse de Lula, ou seja, dar um golpe. Segundo as investigações, o documento seria apresentado para o general Braga Netto.
No relatório da PF, é descrito que o “documento denominado “punhal verde amarelo” foi elaborado e impresso no dia 09/11/2022, no Palácio do Planalto, sede da Presidência da República, pelo Secretário-executivo da Secretaria-geral da Presidência, general Mário Fernandes”. Dados obtidos pelas antenas de celular mostram que Jair Bolsonaro estava no edifício no momento da impressão.
O plano golpista “descreve o levantamento da estrutura de segurança do ministro Alexandre de Moraes, os meios que deveriam ser empregados e a ação final de prisão/execução do ministro. O planejamento também estabelece a possibilidade, dentre as ações dos “Kids Pretos”, de assassinarem o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, por envenenamento ou uso de químicos, e o então vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, com a finalidade de extinguir a chapa presidencial vencedora”. “Kids Pretos” é o apelido dado a militares que se formam no curso de Operações Especiais do Exército Brasileiro.
Em um relatório, a PF aponta que também encontrou dados em celulares dos investigados sobre uma reunião no apartamento funcional de Braga Netto, em Brasília, dias depois da produção do plano.
No dia 12 de novembro de 2022, já com a produção do plano golpista em andamento, o general Braga Netto recebeu em sua residência funcional em Brasília, localizada na SQS 112, Bloco B. Segundo o depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o encontro teve o objetivo de discutir as ações do plano golpista.
Cid também relatou à PF que, alguns dias depois, presenciou o momento em que o general Braga Netto entregou uma quantidade de dinheiro vivo dentro de uma sacola para carregar vinhos. O valor, que ele não soube precisar, tinha como objetivo financiar a execução das ações do plano “punhal verde e amarelo”.
A reportagem descobriu que, no depoimento para os investigadores, Cid relatou que Braga Netto tentou obter esses valores junto ao PL (Partido Liberal). O objetivo seria utilizar recursos públicos lançados de modo fraudulento na prestação de contas do partido à Justiça Eleitoral. No entanto, o general foi dissuadido devido aos riscos envolvidos e da possível descoberta. Assim, segundo Cid, o dinheiro entregue pelo general na sacola de vinho foi “obtido junto ao pessoal do agronegócio”. Os nomes das pessoas que teriam entregado o dinheiro não foram revelados.
Após a reunião realizada na casa de Braga Netto, os investigados passaram a distribuir entre si um documento intitulado “Copa 2022”, que teria sido aprovado durante o encontro para avalizar a atuação dos “kids pretos” na execução do plano golpista. O documento chegava a indicar as necessidades iniciais de logística e recursos para custear a operação clandestina.
R$ 100 mil
Antes da descoberta dessa reunião e da entrega do dinheiro, a PF já tinha identificado mensagens entre Mauro Cid e outro militar falando sobre a necessidade de arrecadar cerca de R$ 100 mil, cerca de U$ 20 mil.
Foi identificada uma troca de mensagens no Whatsapp no dia 14 de novembro de 2022, entre Cid e o major Rafael Martins de Oliveira. Martins afirmou que precisaria do dinheiro para arcar com custos. Cid solicita que Martins faça estimativa de custos com Hotel, Alimentação e Material, e pergunta se a quantia de R$ 100 mil é suficiente. Martins responde que sim e é orientado por Cid a trazer pessoas do Rio.
Outras ações do plano golpista: Operação 142
Em um dos trechos do relatório da PF, é apresentado ainda um outro detalhamento de medidas de exceção a serem tomadas para evitar a posse do presidente eleito, Lula. Os golpistas deixam claro como queriam interromper o processo de transição por meio da “Operação 142”.
O documento, encontrado na mesa do assessor do general Braga Netto, durante operação de busca e apreensão autorizada pela justiça na sede do PL, descreve que o plano tinha “o objetivo de subverter o Estado Democrático de Direito, utilizando uma interpretação anômala do artigo 142 da CF, de forma a tentar legitimar o golpe de Estado”.
No texto “Lula não sobe a rampa” há “clara alusão ao impedimento de que o vencedor das eleições de 2022 assumisse o cargo da presidência”. Os golpistas citaram anulação das eleições e impedimento de efetivação de Lula no cargo presidencial, o que leva a crer que o documento foi escrito entre novembro e dezembro de 2022.
Documentos apreendidos pela PF também mostram como o general Braga Netto e o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, iriam chefiar um gabinete ligado à Presidência da República para apoiar Bolsonaro na implementação de um decreto golpista após a consumação do golpe. O gabinete iria articular redes de inteligência e estratégias de comunicação para conquistar apoio nacional e internacional.
Os investigadores também arrecadaram mensagens de Braga Netto pressionando os comandantes da Aeronáutica e do Exército a aderirem ao plano. Entre as estratégias de “milícia digital”, ele teria incentivado ataques públicos e pessoais contra generais que se recusaram a aderir ao plano e seus familiares.
Em depoimento à PF, ambos os comandantes contaram que foram chamados para reuniões com Bolsonaro para aderir ao golpe. Eles afirmaram, no entanto, que recusaram as ações. O ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Jr. afirmou que o general Marco Antonio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, ameaçou prender Bolsonaro caso ele desse ordens para uso das tropas em um golpe.
(*) Com informações do ICL Notícias
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