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Diálogos do Norte

Franciel Mendes fala da vida, da pesca e da luta comunitária

Franciel Mendes relata sua trajetória como pescador e liderança quilombola, destacando políticas públicas, educação, juventude e desafios da comunidade

Franciel Mendes fala da vida, da pesca e da luta comunitária

O entrevistado, Franciel Mendes. Foto: Miller dos Santos

Em mais uma edição do Diálogos do Norte, trazemos o relato de Franciel Mendes, liderança quilombola da comunidade de Muratubinha, em Óbidos (PA). Morador da própria comunidade, ele acumula experiência como pescador artesanal, condutor de transporte escolar e hoje coordena a ARQMIM. Sua trajetória reflete a atuação de lideranças locais que se esforçam para melhorar as condições de vida, estimular a permanência dos jovens e fortalecer a cultura quilombola.

Na entrevista, Franciel fala com franqueza sobre os desafios enfrentados pela comunidade, como a escassez de acesso à infraestrutura, serviços de saúde e ensino médio. Compartilha também suas percepções sobre o envolvimento em processos políticos, os limites e avanços nas políticas públicas e suas expectativas para os próximos anos, guiadas pela fé, o compromisso coletivo e o desejo de transformação.

Quem é Franciel Mendes?

Meu nome é Franciel dos Santos Mendes. Nasci aqui no Muratubinha. Meus pais também são daqui. Sou quilombola. Meu pai é Francisco Lázaro Mendes, e minha mãe, Maria Marlene do Santos Mendes. Estudei na comunidade, mas, na época, só havia ensino até a quarta série. Como não havia continuidade, parei de estudar. Ainda fui para Óbidos e estudei um pouco lá, mas não concluí o ano.

Naquele tempo, gostava muito de trabalhar com gado. Acabei me apaixonando por isso e deixei os estudos de lado. A partir daí, minha trajetória seguiu esse rumo: sempre ajudando a comunidade. Onde precisavam de mim, eu ajudava. Participei da Igreja Católica por muitos anos e contribuí bastante.

Também sou pescador artesanal. Construí minha família aqui no Muratubinha – sou pai, marido e sigo trabalhando com pesca. Atualmente, sou coordenador da ARQMIM, associação do território do Muratubinha, que inclui Mondongo de Baixo, Mondongo de Cima e Igarapé dos Lopes.

Trabalhei por dois anos no transporte escolar, mas a pesca interferiu nessa atividade e precisei parar. Ainda assim, aluguei minha canoa para que o transporte continuasse. Achei muito interessante essa experiência. Trabalhar com crianças é agitado, mas gratificante. É um trabalho feito com amor, e sentimos que estamos ajudando a transportar o futuro da comunidade e do país. São crianças que merecem cuidados e proteção, para que possam estudar e sonhar com um mundo melhor.

Em relação à sua atuação enquanto coordenador da ARQMIM, como foi que começou?

Participei de reuniões quando havia outra coordenação. Em uma assembleia para escolha da nova diretoria, fui convidado a integrar o grupo, pois havia falta de participantes. Apesar de não me sentir preparado, aceitei ser do conselho fiscal, mas participei pouco naquela época.

Já na escolha da nova diretoria, fui novamente convidado para concorrer ao cargo de coordenador. Relutei no início, pois sabia que exigiria tempo e responsabilidade. Mesmo assim, aceitei. Não houve concorrência, e fui eleito ao lado do Janderson Mousinho. Desde então, estamos trabalhando da melhor forma possível.

Temos muitas demandas, mas também aprendi bastante participando de reuniões, mesas quilombolas e encontros. Entendi melhor como funciona o movimento quilombola. Tenho dificuldades em me expressar e elaborar projetos, mas conto com apoio do outro coordenador. Com dedicação e disposição, seguimos lutando pelo nosso povo.

Médio e longo prazo: como você pensa as possibilidades do REDD+ para a comunidade?

Participei da consulta do REDD+, promovida pelo governo do estado com comunidades quilombolas de Óbidos. Foi uma experiência produtiva. Inicialmente, não sabíamos bem do que se tratava, mas, durante as discussões, compreendemos a proposta e a importância de termos assento na mesa de decisão.

Essa experiência me fez entender que política não está apenas na Câmara ou entre vereadores – está no nosso cotidiano. Como coordenador, percebi que é necessário negociar, ter uma postura política e buscar conquistas para a comunidade.

Em relação às políticas públicas para a comunidade: como você avalia os últimos anos? Melhorou na saúde, educação?

Antigamente, não tínhamos atendimento médico. Hoje, graças às políticas públicas, temos médicos visitando a comunidade mensalmente. Isso representou um grande avanço. A comunidade também evoluiu bastante. A luta continua para que mais melhorias cheguem, pois temos direito a esses benefícios.

Hoje, qual é uma necessidade urgente da comunidade?

Criamos animais – gado, galinha – e plantamos, mas não temos apoio técnico para orientar como trabalhar melhor. Ainda usamos métodos como roçar, derrubar e queimar, o que causa desmatamento.

Com apoio técnico, poderíamos produzir com mais qualidade e preservar o meio ambiente. Temos uma área extensa, mas sem produtividade eficiente. Com orientação adequada, mesmo em áreas menores, conseguiríamos evoluir mais.

Em relação à educação no território, o que pode ser melhorado?

Antes, havia apenas ensino até a quarta série. Com o tempo, alcançamos até o nono ano. Hoje, temos transporte escolar, o que antes não existia. A luta atual é pela implantação do ensino médio na comunidade.

Muitos jovens não têm condições de morar na cidade. Acabam ficando com parentes ou em casas alugadas, longe da supervisão dos pais. Isso facilita o desvio de conduta e o abandono escolar. Se tivéssemos o ensino médio aqui, manteríamos os jovens na comunidade, o que também fortaleceria a identidade local.

Um sonho que você tem e pretende alcançar nos próximos anos?

Meu sonho é ver uma qualidade de vida melhor para a minha família. Também desejo que todos sirvam a Deus. Isso é essencial. A comunhão com Deus transforma vidas. Apesar das falhas humanas, acredito que somos capazes de grandes feitos. Sonho com um futuro de paz, dignidade e conforto para os nossos.

Para encerrar: que mensagem você gostaria de deixar, especialmente para a juventude?

Minha mensagem é: não desistam dos seus sonhos. A juventude precisa buscar o que é certo e não se deixar influenciar por caminhos errados, como bebida, drogas e violência. É importante que existam caminhos alternativos e que cada jovem tenha a chance de sonhar alto.

Façam sempre a coisa certa. Lutem por seus sonhos. Muitos desistem no meio do caminho. Não façam isso. Acreditem em si mesmos. Construam um mundo melhor com coragem, persistência e esperança.

Ao longo da entrevista, Franciel Mendes compartilhou vivências, aprendizados e reflexões sobre o papel das lideranças quilombolas na defesa de direitos e no fortalecimento de políticas públicas voltadas às comunidades tradicionais. Suas palavras revelam não apenas os desafios enfrentados no cotidiano, mas também os sonhos que o motivam a seguir firme na luta por melhorias concretas para o território do Muratubinha.

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