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Welton Oda

Sem passar pano para boneca loura!

É, branquitude, quem não te conhece, que te compre!

Sem passar pano para boneca loura!

Foto: Reprodução/ Canva

Vamos combinar que a hegemonia de certo tipo físico sobre os demais fez muito mal para a maioria das crianças brasileiras durante muito tempo! Ou não? Quantos de nossos pais não cresceram com a ideia fixa de que pessoas louras e de olhos azuis são mais bonitas do que as outras? Essa conversa parece demodê, afinal, a famosa boneca loura agora é “da diversidade”, inclusiva, coisa e tal.

“Reposicionamento da marca”, afirmou, acertadamente, o escritor Henry Bugalho, ao falar do filme da boneca. Ora, ora, para as Alices de plantão, um filme sobre uma boneca loura que fosse “a” linda, “a” poderosa, que tivesse só pessoas brancas e louras, em pleno 2023, seria alvo de críticas e um total fracasso de bilheteria. Este mundo já morreu, felizmente. Ocorre que a tal boneca anda perdendo até seu nicho de público, num mundo em que a diversidade fala mais alto e outros fenótipos andam fazendo mais sucesso.

Já fui professor de uma aluna loura e fã ardorosa da tal boneca. Sua roupa era rosa, sua bolsa era rosa, seu carro ostentava muito rosa, seu caderno tinha capa com a foto da boneca. Seu apelido era Barbie e ela sabia que era uma pessoa caricata, ao mesmo tempo em que sabia que havia um público, havia homens que se interessavam por ela e mulheres que a admiravam assim fru fru.

Lembro da minha infância, quando a mesma crítica a um modelo hegemônico, branco e europeu era forte. Tempo de movimento negro, de Panteras Negras, rastafári, black power. Músicos, artistas, personalidades negras bombando com suas vistosas cabeleiras afro. Parecia que a tendência tinha vindo para ficar. Ledo engano. A branquitude e seu dinheiro sem fim voltaram a lançar nova moda. Sim, moda, porque não havia uma consciência negra forte, ainda, na maioria da população brasileira e as bandeiras acabaram confundidas com modismo. A branquitude hegemonizou por décadas novamente.

No início dos anos 2000, em pleno governo petista, fui convidado para um evento chamado “Encrespa Geral” e ouvi emocionado, o depoimento de jovens mulheres negras da periferia, falando sobre o processo de transição capilar. Mocinhas que alisaram o cabelo por muitos anos e, para mudar de visual, precisaram de uma ajeitada nas ideias, primeiro, com o apoio do movimento negro, para depois se aventurarem a um corte radical, deixando para trás o alisado e assumindo o crespo, o ondulado, um dos elementos estéticos mais fortes da negritude.

Vi com alegria o mundo se encher de dreads, de blackpowers, de cachos, hoje acompanho feliz as ruas, os shoppings, as escolas, a universidade, coloridas, de gênero e de raças. Assisto, com os olhos cheios de cansaço, a tentativa da branquitude rica de Hollywood, de reciclar sua cara manjada. Vejo as contradições e a hipocrisia da boneca loura, buscando incorporar um discurso moderno, enquanto, ao mesmo tempo, posa de grande líder global da democracia e da diversidade humana. Uma espécie de Tia Sam novinha.

É, branquitude, quem não te conhece, que te compre! Afinal, o proletariado nunca te comprou mesmo!

 

 

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