Um dos nomes que se usa para falar do Amazonas é “Pátria das Águas”, dado que, por essas bandas, ela é Rainha! A água nunca pediu permissão para passar! Rebelde, ela não corre sempre em leitos como na maioria dos rios. Por aqui, muito amazonense, obediente à Lei das Águas, muda suas casas flutuantes de lugar no período das enchentes, sobe o assoalho das suas casas, constrói marombas, acomoda, inclusive o gado, seus gatos e cachorros, quando não ergue palafitas, para ficar de vez, por cima do nível mais alto da enchente.
Dizem até que o Japiim (também chamado Japó ou Xexéu, Cacicus sela) conhece a Lei das Águas, ajudando as populações ribeirinhas a decidir sobre a altura de suas casas. Paulo Bührnheim, eminente zoólogo que viveu por essas bandas, dizia que o amazonense sabia que a altura do ninho mais baixo do japiim era a altura mínima para erguer o assoalho de sua palafita.
Com o tempo, a influência europeia na arquitetura das casas amazonenses tornou-se hegemônica e, atualmente, a mentalidade de colonizador, entranhada na cabeça de muito amazonense, tenta fazer com que as águas obedeçam ao ser humano, se amoldando aos estreitos caminhos dos tubos e canais de concreto, gerando alagações. A água, entretanto, mostrando sua força, a Rainha do Amazonas, invade casas, destrói muros e prédios, alaga praças e ruas, quando na verdade, como disse a poetisa Scheilla Lobato, ela “só queria passar”.
Se a mentalidade do europeu anda dando as cartas por aqui, que dirá no Rio Grande do Sul, estado para o qual grandes levas de alemães, italianos, poloneses, portugueses e outros povos europeus se deslocaram com o apoio e o incentivo do governo brasileiro, há muitas décadas atrás. Desse modo, a vida nos pampas e nas florestas de araucárias nativas foi profundamente transformada pelos modos de vida europeus, com sua produção agropecuária e uma relação com a natureza que desconhecia os conhecimentos ancestrais dos povos indígenas da região.
Os primeiros europeus, por exemplo, não sabendo que avistavam uma grande laguna – conhecida como a Lagoa dos Patos – com mais de 265 km de extensão, passaram a chamá-la de “Rio Grande”, fato que deu origem ao nome do estado. Assim, o colonizador português, que não foi capaz de diferenciar uma laguna de um rio, passou a ocupar a área sem obedecer a Lei das Águas e boa parte da população eurobrasileira, à época, edificou suas cidades a partir de conhecimentos trazidos de outros lugares do mundo.
Talvez seja o momento de todos nós, do Amazonas ao Rio Grande do Sul, passarmos a olhar com mais ternura para as palafitas e casas flutuantes, para as malocas, feitas com material menos durável, para a vida nômade de tantos povos do passado, para a arquitetura indígena e dos povos tradicionais, pois esta compreende a sazonalidade, compreende que tudo é provisório, que todo castelo é de areia e que a água é a Rainha da porra toda!