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Welton Oda

O ‘resgate’ da sucuri

Esforços comunitários buscam proteger animais e promover mudanças ambientais em bairro urbano, desafiando visões tradicionais de resgate

O ‘resgate’ da sucuri

Foto: Reprodução/ Redes sociais

O insight da semana veio de uma conversa com o amigo Marcelo Gordo. Eu contava sobre um vídeo que recebi, no WhatsApp, em que uma enorme sucuri (Eunectes murinus) era retirada pelo Corpo de Bombeiros do Igarapé da Beira-Rio, no Coroado, diante de uma multidão de curiosos. Falei em resgate e ele, brilhantemente, me corrigiu. Disse: “então creio que os bombeiros precisam rever essa noção de resgate”.

Na hora, me veio à mente outro vídeo recebido pelo zap, de uma jiboia (Boa constrictor), uma prima da sucuri que não teve a mesma sorte, neste mesmo local, estando com a cabeça muito machucada e tendo sido, provavelmente, morta pela população. Também lembrei do relato das amigas Antônia e Roseli, que têm cuidado com muito zelo de uma família de jacarés (Caiman crocodilus), que habita esse mesmo igarapé. As protetoras nos contaram que já livraram os bichos, seus queridos, que já foram até batizados de Arley Júnior, Asmine Cristina e Pedro Paulo do apedrejamento, por um grupo de jovens estudantes do bairro. Também nos contaram sobre a infeliz história de outro, maior, assassinado a pauladas por um morador.

Os animais, que voltam a aparecer com a redução na quantidade de resíduos sólidos, por causa de uma intervenção recente da Secretaria Municipal de Urbanização e Limpeza Pública (SEMULSP), estão sendo tratados como “invasores” da própria casa, “resgatados” da fúria assassina de alguns humanos residentes no bairro. Mas antes que alguém diga “o ser humano não tem jeito mesmo!” ou, com sua narrativa catastrofista, queira imputar somente descrédito e más intenções à espécie humana, há humanos de diferentes tipos no bairro do Coroado.

Além de Antônia e Roseli, vale a menção ao Seu Montelo, antiga liderança do bairro do Coroado que, desde que deu uma entrevista para o documentário “Coroado Quintal Urbano” de Marcella Fernandes e Gabriel Oda, dizendo que essa questão ambiental “é cultural mesmo do Coroado, não tem jeito!”, acabou mudando de posição, se tornando um dos grandes aliados da luta ambiental no bairro, organizando mutirões de limpeza, contribuindo com a instalação de um Ponto de Entrega Voluntária (PEV) de resíduos sólidos, sendo voluntário, anualmente, da Virada Sustentável e limpando ruas e praças frequentemente. Assim como o Seu Montelo, há muita gente por aqui, que conheço pessoalmente, mas que seria difícil nominar, pois não são poucos.

Por enquanto, ainda é preciso que o Corpo de Bombeiros “resgate” a grande sucuri, mas estamos trabalhando para “resgatar” parte dos “bichos humanos” que sujam, desmatam, cimentam tudo e odeiam “mato”, sobretudo porque não têm qualquer fé na mudança deste quadro. Este trabalho é árduo e de longa duração, mas precisamos de mais gente que acredite e que se envolva.

Interessados, procurem o Grupo de Voluntários da Biblioteca Vilma Palheta, o Coletivo Floresta Manaós, a Associação de Idosos do Coroado (ASSIC), o Coletivo Emancipa ou o Núcleo PSOL-Coroado e se juntem a nós! Todos esses movimentos têm redes sociais e, certamente, adorariam seu envolvimento voluntário.

Eu acredito e vislumbro o dia em que nossa Cobra Grande será admirada e não mais molestada e que jacarés, jiboias, macacos, preguiças, aves aquáticas, tucanos, araras, capivaras e cutias serão moradores do Coroado, cuidados e protegidos pelas novas gerações de coroadenses, mais sensíveis e mais engajados. Trabalho e luto por isso diariamente. Como diria Paulo Freire, cultivo a esperança, não do verbo esperar, mas do verbo esperançar! Venha também esperançar conosco!

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