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Welton Oda

O bebê na caixa de papelão

Abandono de bebê em Manaus reacende debates sobre responsabilidade social e assistência à maternidade

O bebê na caixa de papelão

Imagem produzida via IA. Foto: Norte em Foco

Ontem, apesar de ser 1º de abril (é verdade esse bilhete), um bebê real, verdadeiríssimo, vivinho da silva, foi encontrado em Manaus, numa caixa de papelão, abandonado, vejam só, na Cidade de Deus, Zona Norte. E foi lá, na God’s City que a cristã, dona da residência em que o bebê foi deixado, acionou o Corpo de Bombeiros para que mais esses cristãos cidadãos de bem conduzissem a pequena alma para a Maternidade Dona Nazira Daou, onde um médico, certamente cristão e patriota, fez os primeiros atendimentos.

A insistência em chamar os envolvidos de cristãos – dado que, pelas estatísticas brasileiras e, nesse caso, manauaras, dificilmente seriam ateus, umbandistas, budistas ou espíritas – deve-se ao fato de que a maioria daqueles que se autodeclaram assim se dizem a favor da vida e contra o aborto. Pois bem, essa mãe não abortou, embora tenha abandonado seu filho à própria sorte. Apesar desse ato ser, em geral, condenado pela população, poucos se importam com as condições emocionais, psíquicas e materiais dessa mulher e, certamente, nesse caso, o amor ao próximo, a caridade, o amai ao próximo como a ti mesmo e, sobretudo, o não julgar para não seres julgado, vão tudo pras cucuias.

Questionado sobre o caso, Seu Delegado, da Especializada em Proteção à Criança, assim como Pôncio Pilatos, lavou as mãos e disse que não havia sido registrado o Boletim de Ocorrência. O Conselho Tutelar não respondeu e, ao que parece, não quis tutelar o bebê. Assim, a criança não abortada, mas abandonada em frente a um lar cristão, resgatada por bombeiros cristãos, conduzida às mãos de um médico cristão, não encontrou alguém que, mostrando, na prática, o seu amor a vida, quisesse assumir essa responsabilidade por mantê-la viva.

É bem provável que, daqui a alguns dias, um casal LGBT, ou macumbeiro, espírita, maconheiro, uma mãe solo, aguardando há anos, na fila, por uma adoção, acolha a criança. Nesse dia, muitos cristãos irão se voltar contra a pessoa ou casal, questionando o tipo de moralidade que essa criança terá. Se não tiver a sorte de ser adotado, se tornará um abortado social, uma criança em situação de rua ou, para muitos cristãos, um vagabundo, um bandido para o qual o mundo não deve devotar a caridade cristã, afinal, os que defendem a vida também defendem que bandido bom é bandido morto.

Então, o ciclo moral que o cidadão de bem cria para as classes populares é o seguinte: 1) a mãe faminta em situação de rua não pode abortar (só a obreira que engravidou do pastor); 2) não tendo condições sociais e materiais de criar a criança, dirá que é falta Deus no coração; 3) se ela quiser, a igreja a ajudará, em troca de uma faxinazinha na casa do pastor ou dos irmãos mais ricos, desde que vote no Bolsonaro e fale mal de comunista; 4) se não quiser votar no Bolsonaro, nem falar mal de comunista, aí também já é demais, a igreja não pode acolher, que vá pra Cuba; 5) como ela não tem dinheiro pra ir pra Cuba e a igreja não pode acolher, ela seguirá na rua, onde criará seu filho, que mal conseguirá estudar, nem comer, nem se vestir direito e, portanto, será um vagabundo, um bandido; 6) seguindo o ciclo do amor ao próximo, dirá que bandido bom é bandido morto e com sua arma ungida na igreja, fará justiça divina com suas próprias mãos; 7) irá a igreja, rezará e se arrependerá, sendo perdoado e; 8) na saída da igreja, encontrará uma mãe faminta em situação de rua…

(*) As opiniões apresentadas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do colunista!

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1 Comentário

1 Comentário

  1. Fanuela 07/04/24 - 09:37

    Texto muito bom!!!!

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