Siga nossas redes

Colunista

Welton Oda

Batian

A diversidade étnica da minha família nos coloca como uma autêntica família brasileira

Batian

Foto: Arquivo pessoal

Batian, em japonês… Pera! Às vezes esqueço que vivo noutro mundo hoje! Nem sei mais se preciso explicar. A galera jovem gosta tanto de mangá, anime, sushi, sashimi, k-pop e do povo dos zóinho rasgado que, às vezes, conhece mais palavras em japonês do que eu, que sou filho de japa! No meu tempo, vixe, não era assim não! Japonês era bicho estranho, gozado, ridículo, zombado até não querer mais! “Êêê japonês cara chata, come casca de barata!” “Japonês tem pinto pequeno!” “Abre o olho, japonês!” “Kagaro-no-mato, né? Mijaro-na-kombi!” Bem, pra quem não sabe, Batian é avó em japonês. Minha Batian me ninou, me acalentou, me alimentou, muitas vezes, quando criança.

No dia 15 de setembro de 1970, eu chegava ao mundo e já gerava uma crise diplomática em plena maternidade. Pois não é que alguém da parte japa da família foi colocar em xeque minha ascendência nipônica? Desde o início, minha mãe não se sentia muito bem recebida na família. O motivo? Ela era brasileira. Pior: era bugra, caiçara! Meus avós não queriam que seus filhos se casassem com brasileiras. Coisas de japa das antigas! Muitos até hoje! Mas havia outro motivo: meu olho não era puxado! Dai eu acabei complicando a vida da minha mãe mais ainda.

Para um japa comum, a niponidade tá no olho! Para um japa mais experiente, há outros sinais. Segundo conta a minha mãe, Batian foi chamada para dar seu veredito. Ela olhou, olhou, examinou a pele, os traços físicos e sentenciou: “É filho sim!”

Provavelmente viu minhas manchas mongóis que também são características de asiáticos e que cobrem parte do meu corpo. Minha avó sempre me amou e me tratou como seu neto querido. A família ficou cheia de mestiços porque, com exceção da filha mais velha, os demais resolveram também se casar com brasileiros. Daí era japa de olhos claros, japa de cabelo ondulado, japa baiano, japa curitibano, japa claro, japa escuro, japa de tudo o que é jeito.

A diversidade étnica da minha família nos coloca como uma autêntica família brasileira. Minha avó foi se tornando menos preconceituosa com a idade e aprendeu a amar a família toda, cada um dos netos, noras e bisnetos sem pedigree. Enquanto morei com ela, foi Batian que cuidou da comida da gente. Comida nipo-brasileira, é claro. Arroz japonês, branco, sem sal e “unidos venceremos”, mas também tinha feijão. Conservas de pepino, acelga e umê, mas também salada de alface e tomate. Num dia sukiyaki, noutro bife acebolado, num dia sakê, noutro cerveja.

Como boa japonesa, Batian fumava horrores. Seus filhos todos também. Foi o cigarro que levou ela, de insuficiência respiratória, e afetou a saúde de boa parte dos filhos e netos também. Ninguém é perfeito. Mas assim como o álcool era parte da personalidade e da literatura de Marguerite Duras, o cigarro era parte da Batian. Sua voz e gargalhada roucas, seu cheiro de cigarro, a casa cheia de cinzas, os móveis com marquinhas escuras de bitucas.

Mas a voz, o cheiro de cigarro e seu colo macio, eu lembro misturado às suas canções japonesas de ninar, que embalaram minhas noites de infância. Numa delas, Nanatsu-no-ko, uma mamãe corvo, karasu, acalenta seus corvinhos enquanto precisa descer a montanha pra buscar alimentos, cantando “Kawaii, kawaii” (bonitinhos, tchuqui-tchuqui!!). Minha avó era a mamãe corvo, cantando, fazendo comida, subindo e descendo as escadas.

Fumi Oda era seu nome. Saudades, Batian!

Leia mais:

Clique para comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais em Welton Oda