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Welton Oda

Amazônia ecossocialista

Esse modo de viver, de se alimentar, de plantar, de integrar a natureza, de praticar a economia é denominado, em seu conjunto, por Victor Toledo e Narciso Barrera-Bassols, de “memória biocultural”

Amazônia ecossocialista

Foto: Norte em Foco

Subindo o Rio Negro, entrando no Rio Içana, a milhas e milhas do último mercadinho ou drogaria, uma belíssima e saudável população humana vive, em grande medida, do que produz ou extrai da floresta. Beiju, pimenta, açaí, pupunha, peixe, carne de caça, mel de abelha sem ferrão, etc., etc.

A saúde social e mental da população de Tunuí Cachoeira é invejável. Num campo de futebol, o alto-falante ecoa a voz do narrador, em português, imitando o jeito de falar dos brancos. Alternam-se o futebol masculino e o feminino. Pendurados em grandes grades de madeira, enormes beijus secam ao sol.

Professores, aposentados e outros recebem salário em dinheiro, mas já não participam da produção de alimentos. Apesar disso, a divisão dos recursos materiais é igualitária e as decisões são coletivas. Isso não quer dizer que a comunidade não tenha acesso a certas tecnologias. Na sala, a novela da Globo. Todos têm seus celulares, embora o acesso à internet seja precário. Na casa ao lado, os professores universitários trabalham com seus estudantes. A atividade será um filme infantil para o qual toda a comunidade foi convidada. Alguns estudantes saem para fazer pipoca, outros olham curiosos para o professor, que faz um origami. Pedem que os ensine. Em minutos, todos haviam feito o seu sapinho de origami, que virou a lembrancinha da sessão de cinema.

A vida comunal, igualitária, sem classes, é retratada também pelo escritor jesuíta Clóvis Lugon em “A república comunista-cristã dos guaranis”, em outras paragens distantes da Amazônia, muito embora seja difícil saber, nesse caso, se a descrição da experiência de propriedade comunal não é sacrificada por uma abordagem colonialista do autor. Apesar disso, a experiência é historicamente importante e longeva, durando mais de um século.

Esse modo de viver, de se alimentar, de plantar, de integrar a natureza, de praticar a economia é denominado, em seu conjunto, por Victor Toledo e Narciso Barrera-Bassols, de “memória biocultural” e, segundo os autores, é uma maneira extremamente eficiente de conservação da biodiversidade. Não à toa, os chamados hotspots ou locais de maior biodiversidade do planeta são exatamente as áreas de vida destas populações.

Assim, cultivar plantas e animais no quintal, produzir seu próprio alimento, trocar os produtos de seu quintal com os do quintal do vizinho, plantar árvores frutíferas nas calçadas, praças e outros espaços públicos, levar os filhos para o campo e não para o shopping, financiar o pequeno produtor e não comprar frutas e verduras nos grandes atacados constituem maneiras de retomarmos nossa memória biocultural, constituem maneiras de construir nossa Amazônia Ecossocialista.

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5 Comentários

1 Comentário

  1. Joana Amaral 12/12/23 - 22:05

    Parabéns ao colunista por nos brindar com uma escrita tão humana, com temas necessários e, principalmente, pela humildade em não tentar arrotar textos de palavras difíceis e para uma bolha acadêmica. Avante ecossocialistas!

    • Welton Oda 26/01/24 - 14:18

      Muito agradecido, Joana! Que bom que gostou do texto. Minha intenção, de fato, é redigi-lo de modo acessível ao máximo de leitoras e leitores. Um abraço.

    • Welton Oda 08/02/24 - 12:29

      Oi, Joana. Busco falar com todas as pessoas. Odeio escrita muito rebuscada. Muito agradecido pelo seu retorno.

  2. Michel 13/12/23 - 14:15

    Parabéns, Welton. Cada vez mais textos assim são necessários nessa sociedade doente em que vivemos.

    • Welton Oda 26/01/24 - 14:20

      Oi, Michel. Precisamos falar sobre isso, com urgência. Muito agradecido pela leitura atenta.

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