A Argentina é um dos países mais ricos da América do Sul, mas passa pela pior crise de sua história, o que gera fenômenos como esse.
No último domingo, 13 de agosto, ocorreram as primárias obrigatórias que definiram quem serão os candidatos à presidência da Argentina. O maior derrotado foi o Partido Justicialista, que governa o país vizinho desde 1946 (alternando-se com outros partidos também peronistas e com duas Ditaduras Militares assolando a nação argentina entre 1966 e 1973, e 1976 e 1983) quando foi fundado pelo maior populista já produzido pela América Latina: Juan Domingo Perón. Como já era esperado, os Peronistas sofreram a sua maior derrota em décadas após a Argentina entrar na maior crise econômica e social de sua história.
A oposição, liderada pela coalizão “Juntos pela Mudança”, liderada pela ex-ministra da Segurança Social Patricia Bullrich, ficou em segundo lugar, mas o que mais chamou a atenção de todos foi a performance do partido “A Liberdade Avança”. O partido liderado pelo deputado Javier Milei se sagrou campeão das primárias com cerca de 30% dos votos.
A partir de agora, quem está concorrendo?
Javier Milei é uma figura controversa. Formado em Economia pela Universidade de Belgrano e com mestrado na mesma área, foi comentarista da área nas principais emissoras de TV da Argentina. Defende um estado mínimo e eficiente, com a privatização de setores como a Educação e a Saúde, além de extinguir o Banco Central Argentino, o qual julga culpado pela alta inflação no país, e dolarizar sua economia. É deputado nacional desde 2021, e entra nessa eleição como o mais forte outsider da história da Argentina.
Patricia Bullrich é formada em Ciências Políticas pela Universidade de Palermo e vem de uma família ilustre da política argentina. Foi ministra da Segurança Social e ministra do Trabalho no governo de Mauricio Macri (2015 – 2019), e, ironicamente, iniciou sua carreira política na Juventude Peronista e lutou contra a ditadura militar argentina na década de 1970. É considerada menos radical do que Milei, mas também defende políticas para a liberalização da economia da Argentina. Nas primárias, venceu o atual prefeito de Buenos Aires, Horacio Larreta.
Sergio Massa é advogado e atual ministro da Fazenda do impopular governo de Alberto Fernández, que decidiu não se lançar à reeleição. Defende a continuidade dos programas sociais de Fernández e das atuais medidas econômicas, como o congelamento de preços, tarifas e serviços. É filho de imigrantes italianos e iniciou a sua carreira política ainda durante o ensino médio como líder estudantil, e já se afastou de outra corrente derivada do Peronismo, o Kirchnerismo, nome dado em referência ao falecido ex-presidente Néstor Kirchner, e sua esposa, a também ex-presidente e atual vice-presidente Cristina Kirchner, com quem reatou relações políticas para assumir o ministério. Massa inicia a corrida eleitoral enfraquecido devido às péssimas medidas na condução da economia argentina, cuja moeda, o Peso Argentino, chegou a atingir 100% de inflação em 2022.
As primárias tiveram os seguintes resultados:
- Votos nominais
- Javier Milei (LLA) – 30,1%
- Sergio Massa (PJ) – 21,4%
- Patricia Bullrich (JxC) – 17%
- Horacio Larreta (JxC) – 11,3%
- Juan Grabois (PJ) – 5,9%
- Votos por partido/coalizão
- A Liberdade Avança (La Libertad Avanza – LLA) – 30,1%
- Juntos Pela Mudança (Juntos Por El Cambio – JxC) – 28,3%
- União Pela Pátria/Partido Justicialista (PJ) – 27,3%
Por que devemos prestar atenção nas eleições na Argentina?
A Argentina é o segundo país mais rico da América do Sul, e integra junto com o Brasil, Uruguai e Paraguai, o Mercosul. Muito do que acontece lá, impacta diretamente aqui. Em 2001, a Argentina, então presidida por Fernando de La Rúa, estava em sua pior crise até então. No meio da crise, a população transformou Buenos Aires em uma zona de guerra, incendiando prédios como o edifício que abriga o Ministério da Fazenda, então comandado por Juan Cavallo. Em meio à crise, La Rúa renunciou e fugiu da Casa Rosada, sede do governo, em um helicóptero militar.
Enquanto a crise se desenrolava, a Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA, hoje B3) registrava a queda e desvalorização de diversas empresas, públicas e privadas, que ali estavam registradas. Na época, o Itamaraty chegou a dizer que acompanhava com preocupação a crise no país vizinho.
A Argentina, como país membro pleno do Mercosul, também tem direito a presidir o bloco, se revezando com os outros três países.
Nós também podemos estar assistindo a uma cena histórica: o Peronismo com uma grande desvantagem contra os opositores do Juntos por El Cambio e, principalmente, contra Milei, que está em ampla vantagem. Nunca antes na história da Argentina se viu o grupo dos herdeiros políticos de Perón tão fracos, e isso pode gerar impactos tanto positivos quanto negativos no país vizinho.
Milei estava sendo ventilado pela imprensa argentina como um dos primeiros colocados, porém, sempre bem abaixo de Larreta e Massa. Tamanha invertida nas projeções mostra que as pesquisas eleitorais, que já estavam sendo realizadas desde as eleições parlamentares de 2021, erraram miseravelmente.
As pesquisas, obviamente, não são capazes de prever o resultado final, mas podem mostrar em que pé as coisas estão. Por mais de três meses Milei sempre aparecia bem atrás de Sergio Massa, que estava em primeiro, e Horacio Larreta, que aparecia em segundo, volta e meia alternando de posição com Massa. Um erro tão grotesco assim das pesquisas tem explicação.
A Argentina, não sendo novidade para ninguém, está completamente falida. São comuns cenas de pessoas revirando lixo para conseguir ter algo para comer naquele país, pois o governo de Fernández não conseguiu recuperar sua nação no pós-pandemia. Um candidato como Javier Milei mostra o quão indignada a população argentina está.
Em 2015 os argentinos tentaram se livrar do Kirchnerismo com um candidato de oposição, mas que era fraco. O então prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri (JxC) foi eleito após os escândalos que haviam abalado o governo de Cristina Kirchner nos 8 anos anteriores, como corrupção e suspeita de que ela havia participado do bombardeio ao edifício que abrigava a Associação Mutual Israelita – Argentina em julho de 1994.
Macri se elegeu numa esteira de austeridade fiscal e liberalização que, supostamente, iria reduzir a inflação que já estava em cerca de 30% em 2015. De fato, a inflação chegou a cair para cerca de 22% ao final do governo Macri, mas não foi o suficiente para melhorar a qualidade de vida dos argentinos, pois a oposição Justicialista dominava o parlamento argentino. Macri em 2019 era “carta fora do baralho” e, naquela eleição, o peronista Alberto Fernández se elege presidente com a própria Cristina Kirchner como sua vice.
Milei, se eleito presidente em outubro, assumirá um país cuja população está totalmente sem esperança. Sempre foi notório para todos que o povo argentino é um povo orgulhoso e que ama seu país, e ver uma população assim dói, principalmente para quem é nacional daquele país.
Assim como os argentinos, nós brasileiros já vivemos momentos assim, e conseguimos nos recuperar. Para nós que assistimos de fora, nos resta esperar e torcer pelo melhor.