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Tamyse Oliveira

Mês do Orgulho: historicidade e resistência

Um resgate historiográfico dos embates de resistência da comunidade LGBTQIAPN+

Mês do Orgulho: historicidade e resistência

Para além das comemorações católicas juninas, o mês de junho marca as lutas e a historicidade da comunidade LGBTQIAPN+. O mês do orgulho surge da necessidade de relembrar uma das primeiras manifestações de resistência às violências sofridas pela comunidade, assim como de homenagear as formas de vida e cultura LGBTQIAPN+.

Essa manifestação, ocorrida em 1969, ficou conhecida como a Revolta de Stonewall Inn, uma batida policial marcada por agressões e prisões infundadas de pessoas que frequentavam os bares voltados ao público LGBTQIAPN+, resultando no trágico embate com os clientes do Stonewall Inn. Tal episódio marcou a história da comunidade e inspirou não apenas a organização, mas também o surgimento de movimentos a favor dos direitos civis LGBTQIAPN+ em vários lugares do mundo.

 

Revolta de Stonewall Inn, domínio público.

 

Nesse mesmo período, o Brasil se afundava na ditadura civil-militar (1964-1985), que atuou firmemente em projetos de opressão e violências cujos resultados foram milhares de mortos e desaparecidos, além da violação dos direitos humanos. Para a comunidade LGBTQIAPN+, um dos episódios de destaque nesse contexto foi a chamada “Operação Tarântula”, ocorrida entre 1976 e 1980, principalmente na cidade de São Paulo. Essa ação foi organizada pela Delegacia de Costumes, ligada ao DOPS Departamento de Ordem Política e Social —, e objetivava “limpar” as ruas de homossexuais,  valendo-se da ideia de “preservar os bons costumes” e da “necessidade de combater a prostituição”.  Assim como a polícia norte-americana, a operação realizava prisões arbitrárias, batidas em bares e locais frequentados pela comunidade, fichavam travestis, transexuais e homossexuais, além de uma série de outras repressões.

 

Manchete do Folha de S. Paulo sobre a Operação Tarântula. Reprodução.

Muitas lutas foram travadas pelos movimentos que surgiram e ganharam força durante esse triste período da história brasileira. Um deles foi o grupo Somos (1978), em São Paulo, formado majoritariamente por pessoas da comunidade, além de importantes veículos de informação ativistas, como o Lampião da Esquina (1978) e o Chana com Chana (1981), os quais combatiam o silenciamento midiático sobre as violências sofridas pela comunidade, divulgando casos, vivências LGBTQIAPN+. Brevemente, seguem alguns marcos da trajetória de direitos da comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil:

  • 1985 – O Conselho Federal de Medicina do Brasil retirou a homossexualidade do rol de patologias, antecipadamente à Organização Mundial de Saúde, que só foi aderir à medida em 1990;
  • 1995 – Foi realizada a primeira marcha do Orgulho no Rio de Janeiro, assim considerada pela comunidade de ativistas LGBTI+, após a 17ª Conferência da Associação Internacional de Gays e Lésbicas (ILGA);
  • 1996 – Ocorreu o 1º Seminário Nacional de Lésbicas (Senale), no Rio de Janeiro, em 29 de agosto, episódio que passou a marcar o dia da visibilidade lésbica;
  • 2004 – Em 29 de janeiro, homens e mulheres trans e travestis organizaram uma mobilização em Brasília a favor da “Campanha Travesti e Respeito”, reivindicando respeito à identidade de gênero no Brasil. O episódio foi promovido pelo Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde e marcou o Dia da Visibilidade Transexual e Transgênero no Brasil;
  • 2019 – O Supremo Tribunal Federal estabeleceu a homofobia e a transfobia como crimes de racismo.

Esses e vários outros passos foram dados ao longo do tempo, mas muitos da comunidade LGBTQIAPN+ foram silenciados durante esse percurso. Infelizes tragédias como a de Ana Caroline, em dezembro de 2023, morta de forma covarde e brutal no Maranhão por ser uma mulher lésbica desfem, relembra que, em uma sociedade misógina, machista e lgbtfóbica, ainda precisamos nos manter firmes na luta contra a ignorância que silencia os nossos a cada 34 horas. Além da comunidade, as violências também alcançam até os que estão fora dela, como foi o caso da personal Kely Moraes, em Recife, que ao ser confundida com uma mulher trans por um casal que frequentava a academia na qual trabalhava, foi impedida de usar o banheiro feminino.

A heteronormatividade sempre esteve muito preocupada em manter esse projeto de repressão, conforme aquele criado na ditadura de “caça” aos LGBTQIAPN+, e casos “pequenos” como esse são muito comuns no cotidiano, principalmente em se tratando de “padrões de gênero”. E como um efeito dominó infeliz, ela acaba por dar ao Brasil o título de um dos países que mais mata pessoas trans e travestis no mundo. Conforme o relatório da organização Transgender Europe, foram mais de 1.520 pessoas transgêneras assassinadas entre 2008 e 2020.

A realidade infeliz está sempre à nossa espreita, mas devemos continuar a marcha de lutas por direitos. É imprescindível que cada sigla conheça e busque saber de sua história, da cultura e identidade que permeiam nossas vivências, discussões e expressões. A comunidade LGBTQIAPN+ é, muito além das Paradas LGBTQIAPN+ ao redor do mundo, um grupo sociocultural e político, que surgiu de impedimentos perversos da vida comum.

Parada LGBTQIAPN+ de São Paulo, a maior do mundo. Agência do Brasil.

A vida na heteronormatividade nos cega, além de nos tirar a percepção de nossa importância cultural, social e política, por meio de “pequenas” violências diárias que confundem pronomes “sem querer”, que “brincam” sobre “quem é o homem da relação?” ou, ainda, sobre trejeitos e falas não convencionais do “âmbito masculino”. A heteronormatividade não quer nossos corpos em lugares fechados de estereótipos padronizados, quer nossos talentos, mas só se forem discretos. Portanto, é fundamental que continuemos marchando com orgulho para além dos desfiles de junho, e o ponto de partida surge a partir do entendimento histórico-social e político, que nos faz lutar por direitos, assim como no século passado em diferentes lugares do mundo. A autopercepção começa, portanto, com a compreensão da própria história, e para fazer valer o orgulho que nos acompanha, é preciso revisitar o que nos trouxe até aqui.

 

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1 Comentário

1 Comentário

  1. Susan 28/06/25 - 13:11

    Por mais artigos assim na plataforma! Eu amei !! Muito instrutivo e relevante O tema

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