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Um dia triste para a negritude

É preciso aquilombar. Nosso povo tem na veia as filosofias dos povos originários da convivência em comunidade

Um dia triste para a negritude

Foto: Norte em Foco

“Se preto de alma branca pra você é o exemplo da dignidade, não nos ajuda, só nos faz sofrer, nem resgata nossa identidade”, diz uma famosa canção do sambista brasileiro Jorge Aragão.

Muito já foi falado aqui nesta coluna sobre a supremacia da cultura da branquitude no Brasil e, ainda, que as pessoas brancas cometem discriminações por não ter o chamado letramento racial.

Mas é preciso também falar sobre os negros e negras não letrados racialmente.

Para quem acompanha as redes sociais, é quase impossível não ser forçado a acompanhar as cenas de uma briga entre duas pessoas pretas, no reality show Big Brother Brasil.

Embora seja muito criticado como um programa de tele-lixo vazio, as edições dos últimos anos tem nos enchido de temas relevantes que a grande mídia ainda não tem se esforçado tanto para mostrar e incentivar a sociedade a refletir e debater.

Ver dois pretos brigando em rede nacional, para nós pessoas negras, sobretudo mulheres negras, é muito triste.

O cenário nos remete ao Brasil Colônia, onde nas Casas Grandes, as senhoras brancas tinham suas mucamas que as serviam e defendiam.

Também traziam informações das senzalas para os feitores e senhores, traindo os seus próprios pares, escravizados em nome da lealdade e por sentirem-se privilegiadas e protegidas das violências das chibatadas.

As mucamas cuidavam dos afazeres da casa, serviam e cuidavam da família, isentando sua sinhás de qualquer serviço, o que marca estereótipo do trabalho doméstico no Brasil que, até hoje, ainda preserva em suas características as raízes da subordinação das mulheres negras.

Este episódio do BBB se enquadra como uma oportunidade de reflexão sobre a força do impacto que o referencial imagético da mucama submissa nas mulheres negras e como, nessa figura, elas podem encontrar caminhos para o fortalecimento e a reconstrução das imagens que essas mulheres possuem de si mesmas e de seus iguais.

A cena de dois participantes se ofendendo aos gritos abala as estruturas fortalecidas das pessoas negras que lutam pelo respeito à nossa luta por direitos, pela ressignificação e importância de nossa história e cultura para a formação da identidade brasileira.

Essa briga nos enfraquece como movimento negro unificado.

A situação reforça argumentos para a branquitude continuar nos associando às mazelas da sociedade, classificando-nos como baderneiros, mal educados, intelectualmente incapazes e de “raça ruim”, como já faziam os filósofos naturalistas e pensadores científicos europeus do século XVIII, como Immanuel Kant, por exemplo.

Outra constatação triste de se ver, ainda na cena da briga, é a mulher preta cantando os seguintes versos de uma música de funk: “Quando eu te pegar, eu vou pisar no seu pescoço que é pra você não poder gritar socorro”.

Lembram da forma que o negro americano George Floyd foi assassinado? Pois é.

Recordando, também, que foi este caso que acendeu a discussão – antes muito apagada – sobre o racismo no Brasil, em 2020.

Além disso, o que não faz nenhum sentido na cena vista é uma mulher negra defendendo o opressor, retratado numa mulher branca, rica, famosa, de elite, que nunca a defenderia com tanto afinco do lado de fora do reality.

Por isso, o letramento racial se torna cada vez mais necessário. Não só para a área da educação básica, onde uma lei exige que seja estudada a questão racial presente na história e cultura brasileiras.

Está na hora de expandir para outras esferas da sociedade. Passou da hora de inserir o estudo da raça e da formação do Brasil nos cursos universitários, de formação de educadores e de todos os profissionais que lidam diretamente com questões sociais, como a Medicina e a Psicologia, por exemplo.

Nossos ancestrais com certeza se entristecem também ao ver cenas de desentendimento entre os nossos. Não se trata de defender um ou outro brigão. Nenhum dos dois está certo. Não é para brigar. É para, ao menos, se respeitar!

É preciso aquilombar. Nosso povo tem na veia as filosofias dos povos originários da convivência em comunidade.

A torcida aqui vai para todas as pessoas negras ganharem os prêmios da união, da dignidade, da força e resistência, da equidade de direitos, do respeito e da autopercepção de suas identidades e significados.

Como os negros e negras vão conquistar espaços e lutar para mudar suas condições de vida em um universo racista, machista e sexista, se não sabem quem são?

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