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Sobre lei, polícia e educação antirracista

Em Manaus, a compreensão infantil sobre racismo e a recente equiparação da injúria racial ao crime de racismo destacam desafios e avanços na luta por justiça social

Sobre lei, polícia e educação antirracista

Foto: Norte em Foco

Quando se é professora de crianças, a gente se acostuma a ouvir cada frase curiosa e engraçada! Muitas vezes são frases carregadas de verdade e realidade. As crianças têm uma sabedoria muito grande e peculiar.

Um dia desses do meu professorar, em uma escola pública de ensino fundamental aqui em Manaus, em uma aula antirracista em que eu contava uma história ancestral da diáspora africana, perguntei às crianças o que elas pensavam quando ouviam a palavra racismo. Um pequeno, de 10 anos, respondeu com a seguinte frase: “racismo é quando alguém xinga de preto, mas hoje não tem mais racismo porque hoje tem polícia”.

Isso me chamou atenção por dois motivos: primeiro, a criança mostra que em algum momento da vida dela, já ouviu alguém utilizar o termo “preto” de forma inferiorizante. Isso nos leva a pensar que o racismo é ensinado, nesta sociedade estruturada pela lógica do preconceito. Segundo, a fala da criança demonstra que ela já entende, ao modo dela, quando se refere à polícia, que atualmente existe punição para o crime de racismo.

Desde janeiro de 2023, a injúria racial passou a ser equiparada ao crime de racismo. Isso significa a possibilidade de aplicação de penas maiores àqueles que são responsabilizados por cometerem atos de discriminação em função de cor, raça ou etnia. Também, o crime de injúria racial tornou-se imprescritível, podendo ser julgado a qualquer tempo e inafiançável, ou seja, deixou de haver a possibilidade de os réus desses casos responderem ao processo em liberdade a partir de pagamento de fiança.

Antes do ano passado, a injúria racial estava prevista apenas no artigo 140 do Código Penal Brasileiro, de 1940, com penas mais brandas. De acordo com esta lei, injuriar seria ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Já o crime de racismo, previsto na Lei n. 7.716/1989, se caracteriza pela conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade. Esta lei enquadra uma série de situações como crime de racismo, por exemplo, recusar ou impedir acesso a estabelecimentos comerciais, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores, negar emprego em empresa privada, entre outros.

No entanto, a Lei 14.532/2023 juntou o artigo 140 do Código Penal e a Lei de 1989, qualificando como crime racial qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou origem. A pena de reclusão é de 2 a 5 anos mais pagamento de multa. A pena é aumentada na metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas ou, ainda, se for cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza. Também, se qualquer dos crimes previstos for cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais, o(a) criminoso(a) será proibido(a) de frequentar estes eventos.

Apesar da lei, a violência racial no Brasil continua a mesma. Os crimes são exibidos em programas de televisão e em redes sociais! Porém, os racistas não são punidos. O único estado brasileiro onde há uma delegacia especializada para atuação em crimes raciais é em São Paulo, a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância – DECRADI. No restante deste imenso país, não se conhecem unidades de atendimento policial público como essa. Talvez porque tanto a sociedade quanto as autoridades brasileiras ainda não entenderam que racismo é crime.

O pequeno estudante do ensino fundamental já entendeu. Isso já me dá a esperança de um futuro mais justo. É realmente fortalecendo a base, através da educação antirracista, que se fará justiça social.

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1 Comentário

1 Comentário

  1. Welton Oda 16/04/24 - 21:24

    Minha filha, que é negra, ainda não reclamou de racismo na escola, o que avalio ser positivo, ao mesmo tempo em que ela, ainda pode não estar identificando certas manifestações mais sutis e veladas como racismo.
    Ela tem crescido numa geração que está gozando das conquistas das lutas antirraciais do movimento negro.

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