A preocupação com a saúde mental tem sido grande nos últimos tempos. Sabe-se que o cotidiano da população negra brasileira, permeado pelo racismo estrutural, interfere diretamente na constituição psicológica, neurológica e comportamental destes sujeitos.
Nas palestras, oficinas e rodas de conversa que já ministrei, não houve nenhuma ocasião em que participantes ou palestrantes não tenham chorado ao falarem sobre suas dores causadas pelo racismo na infância, juventude ou vida adulta, externando suas emoções, em seus depoimentos.
Recentemente, fui surpreendida por um convite feito por representantes do curso de psicologia da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, para ministrar uma palestra sobre racismo e identidade negra, fato que nos mostra que nesta área de conhecimento já existe uma preocupação pelos estudos e pesquisas relacionadas à saúde emocional da população negra e questões raciais.
Na ocasião, a organização do evento abriu inscrições antecipadas e essa temática foi a que teve baixíssima procura, a que menos os profissionais da psicologia se interessaram em estudar. Do curso, só havia quatro alunos de um universo que deve ter um número considerável de discentes.
Foi uma surpresa tomar conhecimento desse fato, pois na minha área de formação, a Pedagogia, a pauta antirracista já é uma das temáticas de interesse por parte dos professores e professoras em formação ou já atuantes.
Talvez porque a Educação esteja mais próxima desta camada social, que é a maioria da sociedade brasileira. Os serviços de profissionais de saúde mental de qualidade não são acessíveis à população negra e pobre.
O Sistema Único de Saúde (SUS) conta com a chamada Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Porém, o atendimento às pessoas negras não parece ser próximo e amplamente divulgado. Você conhecia essa política pública? Nem eu.
Neste mês, que é dedicado à conscientização sobre a saúde mental, foi emitido um ofício pela Secretaria de Saúde do governo do Estado do Amazonas (SES) informando o Ministério Público do Estado (MP-AM) de que no SUS local há uma baixa oferta de profissionais na rede, uma fila de mais de 1.600 pessoas na espera de uma consulta de primeira vez, fato que atinge em cheio a população de baixa renda da nossa região.
De acordo um estudo realizado pela Universidade de Brasília, em parceria com o Ministério da Saúde, a cada 10 jovens que se suicidam no Brasil, seis são negros.
As pessoas pretas e pardas não conseguem se enxergar em muitos locais, já que a cultura e os espaços são predominantemente dominados pela branquitude, o que pode levar a sentimentos de muita solidão, rejeição e autoestima baixa.
É certo que os profissionais de saúde mental têm o preparo para lidar com estas questões citadas. No entanto, ainda, é difícil encontrar especialistas deste campo sensíveis às questões raciais.
Torna-se imprescindível dialogar sobre Frantz Fanon, psiquiatra martinicano, autor do livro “Pele negra, máscaras brancas”, que é referência nos estudos da saúde mental da população negra e que faz parte de um movimento surgido nos anos 70/80, nos Estados Unidos, a Black Psychology.
No Brasil, a psiquiatra negra Neusa Santos Souza, uma importante referência na área de psicanálise lacaniana, é especialista nos estudos sobre as dificuldades emocionais dos negros e negras, que são levados a rechaçar a própria imagem por suportar, muitas vezes sem perceber, as agressões racistas nas suas muitas formas existentes.
Neusa deixou uma obra riquíssima intitulada “Tornar-se Negro” (1983). No livro, ela apresenta um diagnóstico sobre a baixa auto-estima e os afetamentos causados na saúde comportamental das pessoas negras.
Nunca teve apoio da mídia. Neusa, mulher preta retinta, não suportou o silenciamento, desprezo e injustiças e suicidou-se aos 60 anos de idade. Sua morte foi noticiada somente pela Fundação Palmares.
O incentivo aos estudos sobre as relações raciais no Brasil é fundamental para enfrentar a desigualdade racial e minimizar o sofrimento psíquico da população negra brasileira.
Fica no ar uma pergunta que escutei de uma psicóloga negra amazonense, que também estava no ciclo de palestras do curso de Psicologia da UFAM: A quem a Psicologia brasileira atende?