Além de ser um momento de alegria e catarse necessárias ao povo brasileiro, o Carnaval também pode ser pedagógico. Não é à toa que os grupos que projetam a festa são chamados de escola.
Neste ano, a maioria das escolas de samba trouxe, em suas apresentações, temáticas inspiradas por artistas negros, por obras literárias centradas em histórias e cosmovisões de povos originários e, ainda, pela representatividade e cultura afro-pindorâmica.
Os desfiles carnavalescos de 2024 mostraram-se profundamente contracoloniais. A contracolonialidade é uma ideia defendida pelo escritor piauiense e quilombola Antônio Bispo dos Santos, o Nego Bispo, que significa ser contra o modelo de vida concebido e desenvolvido pelos colonizadores europeus.
Para Bispo, os colonos europeus, ao invadirem o território brasileiro, impuseram seus costumes, valores, estética, conhecimentos, modo de produção e de viver causando uma desestruturação na identidade cultural dos povos originários que perdura, confunde e prejudica a sociedade brasileira até os dias de hoje.
Dessa forma, foi possível observar a recusa às imposições coloniais, quando no desfile da escola de samba paulistana Vai-Vai, uma alegoria representou o colono bandeirante Borba Gato, em volta de uma fumaça que simulava fogo, fazendo alusão a um episódio acontecido em São Paulo, em 2021, em que manifestantes incendiaram uma estátua do sertanista em protesto contra a opressão e o racismo no país.
Também se percebe o movimento contra a cultura dominante hegemônica europeia, nas letras dos sambas de enredo que versam rezas pertencentes a religiões de matriz africana e entoam expressões e narrativas de etnias indígenas.
Até a literatura desfilou na avenida!
Enredos inspirados em livros que contam histórias de pessoas negras e também de narrativas lendárias como “Um defeito de cor”, da escritora brasileira Ana Maria Gonçalves e “Meu destino é ser onça”, do também escritor brasileiro Alberto Mussa foram utilizados como verdadeiros exemplos de metodologias de ensino.
As manifestações artísticas, como vestimentas, danças e carros alegóricos retratando os deuses e as crenças da religiosidade dos povos indígenas e africanos também foram reproduzidas de forma educativa e respeitosa nas passarelas e ruas brasileiras.
Se as escolas de samba contam e valorizam a história dos povos tradicionais, a partir de sua essência e originalidade, porque as escolas e as universidades ainda não conseguem contar e valorizar?
De acordo com a pedagoga negra e ex-ministra das mulheres Nilma Lino Gomes, o movimento negro é um educador. Se as escolas de educação básica parassem para aprender com as escolas de samba, talvez o Brasil estivesse mais perto de ter a sociedade igualitária que tanto prega ser.
Em um país que tem a alegria como identidade, o carnaval se apresenta como uma grande potência para a educação brasileira.
Conhecer outras formas de se elaborar e produzir saberes pode ser a oportunidade de fortalecer as aprendizagens e habilidades essenciais não só para resolver situações do cotidiano, do mundo do trabalho e exercer a cidadania, como impõe a base nacional curricular das escolas, mas para se viver num mundo menos injusto.