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As cotas são necessárias e viva Dandara!

Meu pai era cortador de cana. Um homem negro que saiu de uma tapera de barro batido, no meio da caatinga brasileira e foi com a roupa do corpo estudar no Rio de Janeiro

As cotas são necessárias e viva Dandara!

Foto: Reprodução/ Canva

Há muitas pessoas que se dizem contra a lei de cotas. Isso não é de se estranhar em um país cotidianamente racista.

A Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, garante que haja cotas sociais e raciais nos processos de seleção nas universidades e institutos federais.

Essa semana, depois de um ano de atraso, foi aprovada na câmara dos deputados, em Brasília, um projeto de lei que autoriza a revisão do texto da normativa, situação que permite que mudanças sejam feitas.

Essa reformulação deveria ter sido realizada até agosto de 2022, porém sabe-se que não havia interesse do então governo em ver pretos e pretas frequentando a universidade, ganhando espaços de visibilidade e poder, transformando visões e ações de manutenção do estado das coisas. Esse projeto de lei foi retirado da pauta do congresso.

A deputada federal Dandara Castro (PT- MG) foi a responsável pelo pedido de retomada da revisão. Interessante observar uma fotografia veiculada no dia da aprovação da renovação da lei. A maioria das pessoas que aparecem comemorando a aprovação são mulheres pretas.

Dos grupos socialmente oprimidos, nós continuamos sendo empurradas para os porões da senzala. Sofremos preconceito duas vezes, por sermos mulheres e por sermos pretas. Estamos na base da pirâmide social.

Também não é de se estranhar que sejamos, muitas vezes, as “cabeças” das lutas antirracistas. Alguém precisa fazer algo pra mudar nossa realidade! Como não nos oportunizam espaços e voz, natural que algumas se rebelem, se engajem e puxem as outras para as batalhas.

No Brasil, as pessoas pretas precisam vencer a guerra contra a discriminação e exclusão social. As cotas servem para isso. Para que negros e negras consigam inserir-se em espaços que foram historicamente negados a eles e elas.

Alguém mais pode dizer: “mas as oportunidades devem ser iguais para todos”. Só pensa assim quem ainda não quer enxergar a desigualdade social gritante que habita nosso território. Também, quem tem o imaginário cunhado pelo mito da democracia racial, ideia que é disseminada há muito tempo de que não há conflitos raciais no país, reinando a paz, em um país que acolhe todas as raças harmonicamente.

Já me disseram que eu ocupei indevidamente duas vagas, nas duas universidades públicas que estudei. Que eu não merecia ter conseguido. Porque sou uma preta privilegiada, por ter estudado em escola privada. Que ocupei a vaga “de um pobre”.

Mal sabe a boca que proferiu esse ultraje, que fui criada por um neto de negros que só nasceram livres por ocasião da lei do ventre livre, migrantes nômades que só encontraram terra pra morar no meio do sertão do país!

Meu pai era cortador de cana. Um homem negro que saiu de uma tapera de barro batido, no meio da caatinga brasileira e foi com a roupa do corpo estudar no Rio de Janeiro, vindo parar na Zona Franca de Manaus, tornando-se um grande executivo do polo industrial.

Mesmo com todo esse esforço, ele não conseguiu as mesmas oportunidades que eu tive. Mas conseguiu, junto com minha mãe, me dar condições de estudar em uma escola particular. Se ele fosse cortador de cana até hoje, será que eu teria essa oportunidade apenas com o meu esforço e mérito?

Então, voltando a falar de meritocracia: como conseguir uma vaga na universidade pública atravessando um ensino básico de má qualidade, tendo que muitas vezes deixar de estudar para trabalhar em subempregos, com jornadas de horas pesadas, para manter a família, sem ter acesso a alimentação, transporte, educação, moradia, cultura e saúde dignas?

A meritocracia é o sistema disseminado pelas elites hegemônicas, donos das maiores parcelas do capital, que nos faz acreditar que cada um consegue aquilo que merece graças ao trabalho duro, que proporciona o mérito.

Para a maioria da população brasileira, os 55% de pessoas negras (pretas e pardas), segundo o IBGE, que vive essa rotina e condições de vida, fica mais difícil ter esse mérito diante de tantas lutas diárias a serem vencidas. Alguns vão passando na frente.

Esse círculo vicioso é tão concreto e gira tão fortemente que é preciso que se criem cotas para permitir que essas pessoas tenham oportunidades iguais a que eu tive.

Cotas são políticas afirmativas do Estado que buscam diminuir as desigualdades sociais. As cotas são necessárias. Viva Dandara!

 

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