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Ailane Brito

Educação no Pará: reflexões sobre a revogação da Lei 10.820/2024

Protestos intensos revelam falta de diálogo do governo do Pará ao impor ensino a distância, ignorando realidades indígenas e quilombolas

Educação no Pará: reflexões sobre a revogação da Lei 10.820/2024

Foto: Reprodução/ Canva

Como pedagoga em formação, sinto uma profunda inquietação diante do cenário educacional no meu estado. O anúncio do governador Helder Barbalho e a assinatura de um termo de compromisso para revogar a Lei 10.820/2024, após mais de 20 dias de ocupação da Secretaria de Educação do Estado do Pará (Seduc), não podem ser vistos apenas como um ato de escuta e resposta do governo, mas como um reflexo de sua falta de sensibilidade e diálogo com as comunidades impactadas. O fato de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e educadores terem precisado recorrer a manifestações tão intensas para serem ouvidos demonstra um modelo de governança que privilegia decisões unilaterais, sem consulta pública efetiva.

A ocupação da Seduc não foi um evento isolado, mas o ápice de um descontentamento que se arrastava desde a sanção da lei em dezembro de 2024. O projeto, que modificava o Sistema Modular de Ensino (Some) ao introduzir a educação a distância em regiões remotas, foi amplamente criticado por desconsiderar a realidade dessas comunidades, que dependem da educação presencial para manter sua identidade cultural e garantir um ensino de qualidade. Além disso, muitas dessas áreas carecem de infraestrutura básica, como acesso à internet e eletricidade estável, o que tornaria inviável a aplicação da modalidade proposta.

Ao longo dos 20 dias de ocupação, o governo estadual adotou uma postura de resistência, tentando minimizar a pressão popular. Foram necessários inúmeros atos, articulações com entidades de direitos humanos e uma ampla mobilização social para que o governador Helder Barbalho cedesse e revogasse a lei. Isso levanta um questionamento preocupante: se não houvesse tamanha resistência, a imposição dessa medida seguiria adiante?

Esse episódio reforça um padrão recorrente na política educacional brasileira, em que decisões são tomadas de forma tecnocrática, ignorando o impacto real sobre as populações mais vulneráveis. O governo paraense não apenas falhou em garantir um diálogo transparente desde o início, como também demonstrou uma relutância perigosa em reconhecer o erro e corrigi-lo rapidamente. A demora na revogação e a ausência de mecanismos que garantam maior participação social na formulação de políticas educacionais deixam uma sombra de desconfiança sobre os próximos passos da gestão estadual.

Agora, com a revogação da lei, a luta dessas comunidades não termina. A educação indígena, quilombola e ribeirinha no Pará continua ameaçada por políticas que não consideram suas especificidades. A mobilização popular mostrou sua força, mas também deixou um alerta: os direitos fundamentais, mesmo os mais básicos, como a educação, continuam sendo constantemente colocados à prova por interesses políticos e econômicos.

A permanência de Rossieli Soares no comando da Secretaria de Educação do Pará, apesar da forte rejeição por parte dos manifestantes e de setores da sociedade civil, escancara a resistência do governo estadual em promover mudanças estruturais na gestão educacional. Quando um gestor perde a confiança de educadores, estudantes e comunidades diretamente afetadas por suas políticas, sua continuidade no cargo não apenas enfraquece o diálogo institucional, mas também compromete a credibilidade de qualquer nova proposta que venha a ser apresentada.

Rossieli, que já ocupou cargos de destaque na educação nacional, traz consigo um histórico de políticas voltadas à ampliação do ensino a distância e à padronização de métodos educacionais que nem sempre dialogam com realidades específicas, como a das comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas do Pará. Sua permanência no cargo, mesmo após o desgaste causado pela tentativa de implementar a Lei 10.820/2024, levanta dúvidas sobre a real intenção do governo em reconstruir pontes com esses grupos. Essa contradição sugere que a revogação pode ter sido uma medida paliativa, e não um compromisso genuíno com uma gestão mais participativa e inclusiva.

Se o governo do Pará realmente deseja recuperar sua credibilidade na educação, a exoneração de Rossieli deveria ser o próximo passo. A população paraense já mostrou que não aceita retrocessos na educação e não hesitará em se mobilizar novamente caso a gestão continue ignorando suas vozes. Um secretário que não entende a educação como um processo social, cultural e humano simplesmente não pode ocupar essa posição.

(*) As opiniões e comentários emitidos pelos colunistas não necessariamente refletem a opinião da Rede Norte em Foco

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