Siga nossas redes

Colunista

Ailane Brito

Amazônias em risco: o capital e a farsa verde da COP30

O cenário que se desenha não inspira confiança: a pauta ambiental parece ser tratada como adereço, enquanto os interesses econômicos e políticos ganham protagonismo

Amazônias em risco: o capital e a farsa verde da COP30

Imagem gerada por Inteligência Artificial

Daqui do interior da Amazônia, acompanho os acontecimentos que antecedem a COP30 com o coração apertado e a mente inquieta. A cada notícia, cresce a sensação de que o evento, que deveria ser um marco na luta climática, está se distanciando da sua verdadeira missão.

O cenário que se desenha não inspira confiança: a pauta ambiental parece ser tratada como adereço, enquanto os interesses econômicos e políticos ganham protagonismo. É como se a floresta, com toda sua complexidade e urgência, fosse reduzida a um palco bonito para discursos bem ensaiados, mas desconectados da realidade de quem vive e resiste aqui.

 

As múltiplas Amazônias e a urgência climática

A Amazônia, comumente reduzida a uma imagem homogênea nos fóruns internacionais, é na verdade um mosaico de múltiplas Amazônias: a indígena, guardiã de saberes milenares; a ribeirinha, que se orienta pelos ciclos das águas; a quilombola, erguida sobre a resistência histórica; a urbana, atravessada por contradições socioambientais e diversas outras. Essa diversidade de territórios, culturas e ecossistemas sustenta um papel crucial no equilíbrio climático global, armazenando carbono, regulando o regime de chuvas e abrigando biodiversidade única.

Às vésperas da COP30, que terá como pano de fundo a crise climática mais grave já registrada pela ciência, cresce o risco de que essas múltiplas Amazônias sejam reduzidas a um discurso único, instrumentalizado como vitrine de “soluções verdes” que, em muitos casos, priorizam a expansão do capital e a imagem internacional dos governos e empresas envolvidos. Tal simplificação ignora que enfrentar as mudanças climáticas exige mais do que compromissos publicitários: requer políticas efetivas, participação comunitária e respeito aos modos de vida que historicamente preservaram a floresta.

Assim, a pergunta que se impõe não pode ser ignorada: o mundo virá à Amazônia para ouvir suas vozes e enfrentar a emergência climática, ou apenas para transformá-la em um cenário rentável para o capital global?

 

Belém como mensagem para o mundo

Realizar o evento no coração da Amazônia não é apenas um gesto simbólico, mas um reconhecimento de que as soluções para a crise climática precisam nascer também dos territórios mais afetados. Nesse cenário a escolha de Belém para sediar a COP30 deveria ser uma mensagem clara: discutir o clima exige estar onde o problema pulsa. Era a chance de mostrar ao mundo que não se fala sobre a Amazônia à distância, em gabinetes refrigerados, mas olhando nos olhos de quem vive a pressão do desmatamento, das queimadas e das grandes obras que alteram o curso dos rios.

Acredita-se que Belém foi escolhida por ser a porta de entrada da Amazônia, um ponto estratégico e simbólico para a luta contra as mudanças climáticas. Sua localização carrega o peso de representar um território central na resistência socioambiental e na preservação da maior floresta tropical do planeta. No entanto, o que se vê na proximidade da COP30 tem deixado a desejar: a pauta climática, que deveria ser o coração do evento, parece sufocada por interesses comerciais, ajustes de bastidores e agendas que priorizam o capital.

 

A farsa verde

Enquanto os holofotes da COP30 se acendem, surge a impressão de que a floresta é apenas cenário. Fala-se em preservação, em desenvolvimento sustentável, em bioeconomia, mas na prática muitas medidas parecem mais voltadas a proteger investimentos e ampliar lucros do que a enfrentar a crise climática. Estradas foram abertas, obras avançam sobre áreas protegidas, e grandes corporações exibem seus projetos “verdes” como se fossem soluções milagrosas.

É a chamada farsa verde: discursos de sustentabilidade que encobrem interesses econômicos, neutralizam críticas e, muitas vezes, cooptam lideranças locais, transformando resistências históricas em estratégias de marketing. A Amazônia que será discutida no evento não parece ser a Amazônia plural, viva e complexa; mas uma versão reduzida, selecionada e controlável, conveniente para agendas externas.

No dossiê COPalhaçada de Adriano Wilkson, a mineradora Hydro ilustra bem o problema: contratando celebridades locais para projetar uma imagem de responsabilidade ambiental, a empresa tenta se colocar como protagonista na luta pelo clima, enquanto suas emissões de CO? são seis vezes maiores do que toda a cidade de Belém.

Esse tipo de estratégia evidencia a cooptação do discurso ambiental para interesses econômicos. A floresta, os rios e os povos amazônicos correm riscos concretos, mas às vésperas da COP30, o que se destaca são logotipos, campanhas publicitárias e discursos ensaiados — uma “sustentabilidade” que existe apenas para impressionar a plateia global, sem gerar impactos reais na preservação da Amazônia ou na redução das emissões de carbono.

O problema é claro: enquanto empresas e governos disputam protagonismo midiático, as soluções de fato necessárias — participação dos povos tradicionais, preservação dos territórios, controle das emissões e justiça climática — ficam em segundo plano, ameaçando transformar a conferência em uma vitrine do capital e não em um espaço de transformação climática.

Nesse sentido, a COP30 vai se tornando exatamente aquilo que mais temíamos: um grande palco para interesses econômicos disfarçados de preocupação ambiental. A pergunta que ecoa desde o anúncio do evento — COP30 para quem? — começa a ser respondida de forma dolorosamente incoerente. Nem é “para inglês ver”; é para o capital lucrar. A pauta climática, que deveria guiar cada decisão, parece ter sido sequestrada por uma lógica onde o verde vale mais como cor do dinheiro do que como símbolo de floresta viva.

A repercussão internacional também revela sinais de desgaste. Até a chamada “plateia global” — os países e delegações que virão à COP30 — já demonstra apreensão e, em muitos casos, frustração com o que tem acontecido antes mesmo da abertura do evento. A escalada nos preços das hospedagens, a militarização de Belém, as denúncias de cooptação empresarial e o uso da conferência como vitrine política minam a credibilidade do encontro.

Delegações estrangeiras, pesquisadores e organizações ambientais internacionais têm expressado preocupação não apenas com a logística e os custos, mas, sobretudo, com a perda de foco no verdadeiro objetivo: enfrentar a emergência climática com base na ciência, na justiça social e no protagonismo das comunidades que vivem a Amazônia no dia a dia.

Essa apreensão externa se soma à indignação interna, reforçando a sensação de que, se nada mudar, a COP30 corre o risco de entrar para a história não como um marco ambiental, mas como um exemplo de como o capital consegue capturar até os espaços criados para combater suas próprias consequências.

Segundo denúncia do jornalista Douglas Diniz, a COP30 tende a se configurar como um ambiente ultra restrito e fortemente militarizado, no qual uma minoria se reunirá para fechar acordos econômicos sem compromisso real com a proteção ambiental ou a contenção da crise climática. Diniz aponta que a expectativa de mobilizações capazes de pressionar líderes globais vem sendo tratada pelo governo brasileiro como questão de segurança nacional.

Nesse contexto, o presidente Lula deve editar uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO), transferindo às Forças Armadas e à Força Nacional a responsabilidade pela segurança pública durante o evento e estabelecendo um “cordão militar” em torno do Parque da Cidade, o que impediria a aproximação de ativistas ambientais, sindicatos e movimentos sociais independentes ao espaço onde, segundo o jornalista, se concentrarão os grandes negócios da conferência.

 

Resistência e urgência: ouvir as múltiplas Amazônias

Apesar de toda a maquiagem verde e das tentativas de transformar a COP30 em um evento de autopromoção para governos e empresas, as Amazônias seguem vivas e resistindo. Povos originários, comunidades ribeirinhas, quilombolas, agricultores familiares, cientistas independentes e ativistas climáticos continuam defendendo seus territórios e denunciando a contradição entre discurso e prática.

O que a COP30 precisa — e até agora parece evitar — é abrir espaço real para essas vozes. Não basta convidar representantes para compor uma foto oficial: é necessário ouvi-los, respeitar seus saberes e construir políticas públicas baseadas na justiça climática. Sem isso, a conferência só irá reforçar o modelo que diz combater, transformando a Amazônia em um produto para ser negociado ao invés de um bioma a ser preservado.

Se a COP30 quiser deixar de ser palco para a farsa verde, precisará reconhecer que a verdadeira solução climática nasce de quem vive, sente e cuida da floresta todos os dias. Até lá, a resistência seguirá — porque, mais do que um evento, as Amazônias são lutas.

 

Leia mais:

 

Clique para comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

dezesseis − 7 =

Mais em Ailane Brito