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Colunista

Ailane Brito

A floresta não se sustenta com discurso

Enquanto Lula fala de floresta viva, seu governo assina decretos que abrem as portas para a exploração dos rios amazônicos pelo capital privado

A floresta não se sustenta com discurso

Foto: IA

No último final de semana, 01 e 02 de novembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cumpriu agenda na região do Baixo Tapajós como parte dos preparativos para a COP30, que será realizada em Belém.

Em visita  à Floresta Nacional do Tapajós, exaltou a grandiosidade do rio e afirmou que a COP30 será um marco para dar “visibilidade à Amazônia”. Em seu discurso, disse que é preciso “manter a floresta em pé” e garantir “sustentação econômica, educacional e de saúde” às populações que cuidam da floresta.

O cenário, à primeira vista, parecia inspirador: o presidente navegando pelas águas do Tapajós, exaltando sua grandiosidade e reafirmando o discurso da preservação ambiental. Mas a beleza das palavras se desfaz quando confrontada com a realidade das ações de seu próprio governo.

Enquanto Lula fala de floresta viva, seu governo assina decretos que abrem as portas para a exploração dos rios amazônicos pelo capital privado. O mesmo governo que se diz defensor dos povos da floresta poucos meses antes dessa visita, o governo assinou o Decreto nº 12.600/2025, que inclui as hidrovias dos rios Tapajós, Madeira e Tocantins-Araguaia no Programa Nacional de Desestatização (PND), abrindo caminho para concessões privadas e exploração logística voltada ao agronegócio.

Que sustentabilidade é essa que transforma o rio em corredor de grãos? Que compromisso ambiental é esse que ignora o direito à consulta livre e informada das populações tradicionais, garantido pela Convenção 169 da OIT?

De que “sustentação econômica” estamos falando? Sustentar a floresta para quem? Para o agronegócio que transforma os rios em rodovias e ameaça a vida dos povos ribeirinhos? Ou para os próprios guardiões da Amazônia, que há séculos preservam o que o Estado insiste em negociar como mercadoria?

A retórica da “visibilidade” esconde um projeto de invisibilização. Fala-se em dar ao mundo os “olhos que devem olhar para a Amazônia”, mas quem realmente vive aqui continua sendo ignorado nas decisões que afetam seu território. O Tapajós é exaltado como “grandioso”, mas a grandiosidade que o governo enxerga parece ser a dos lucros e não a da vida que corre em suas águas.

O Movimento Tapajós Vivo foi preciso ao afirmar:“Não aceitamos jardinagem no período da COP 30 sem a devida coerência e compromisso socioambiental”, diz o texto, em tom de repúdio.

E é impossível não concordar. Afinal, o que se espera de um governo que se diz popular, ambientalmente responsável e comprometido com os povos tradicionais é coerência entre fala e gesto. De que adianta falar em “preservação dos rios” quando se rasga o Tapajós para abrir passagem às barcaças do agronegócio? De que adianta filmar para a COP 30 o retrato do povo ribeirinho se, ao mesmo tempo, se empurra esse povo para as margens — simbólicas e literais — do processo de decisão?

A Amazônia não é cenário de marketing político. É território de resistência, casa de povos que há séculos protegem o que o poder tenta explorar. Não há sustentabilidade possível quando o rio se torna rota de exportação e o discurso ambiental serve de cortina para o avanço da privatização.

Enquanto o governo posa para as câmeras, o Tapajós — esse mesmo que Lula chamou de “grandioso” — corre o risco de ser reduzido a via de escoamento de grãos. E quem vive às suas margens, quem dele tira alimento, transporte, memória e vida, sabe que nenhum decreto consegue esconder o cheiro da incoerência.

A Amazônia não precisa de paisagismo político nem de discursos verdes de ocasião. Precisa de coerência. E coerência, neste momento, significaria suspender as concessões, ouvir as comunidades e colocar a vida, não o capital no centro das políticas ambientais.

Porque floresta em pé sem povo de pé é floresta em risco. E quem realmente mantém a Amazônia viva não está em Brasília nem nas vitrines da COP, está nas margens do Tapajós, do Madeira, do Tocantins. Está resistindo.

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