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Marcos Souza

Gente que se leva muito a sério: na literatura, na política e na vida

O escritor que muito se leva a sério é, antes de qualquer definição, um ressentido

Gente que se leva muito a sério: na literatura, na política e na vida

Fonte: Reprodução/Instagram

Estava no Porto da Feira da Panair quando um deputado com ambição ao cargo de prefeito, cercado de assessores, baba-ovos e miseráveis, apresentava com soberba as majestosas soluções para aquela esfarrapada balsa de madeira. A música repetitiva espraiava o nome e o número do candidato. Os miseráveis o endeusavam por antecipação. Por fim, o deputado não foi eleito, no entanto, a leitura já estava posta: eles, os miseráveis eleitores, estavam levando muito a sério um político que nos atos subsequentes tomou as decisões mais canalhas possíveis, desde a precarização dos direitos trabalhistas até a tentativa de aumento dos privilégios dos seus semelhantes. Ainda na esfera política, essa situação me faz recordar a mudança de postura do próprio governador, de um palhaço-apresentador com soluções simples para um político engravatado cheio de pudor e parênteses.

Dispensando as tentativas filosóficas de explicar o âmago do excesso de seriedade, é preferível nos atermos simplesmente à leitura das observações mais pontuais. Do contrário, poderíamos cair em uma caçamba de teorias avulsas, da psicanálise aos ditados populares.

Pois então, como identificamos um escritor que se leva muito a sério? Em primeiro lugar, o dito escritor se comporta publicamente como uma verdadeira estrela, com a cabeça erguida demais ao ponto de não perceber seus passos curtinhos. O “escritor sérião” se dedica exclusivamente aos clássicos (quando gosta de ler) e dispensa a leitura dos escritores vizinhos, até porque alta literatura quem faz é ele. Não menos importante, o escritor sérião estagna o próprio desenvolvimento, pois, veja que engraçado, ele vê como sucesso publicar por uma dessas editoras (prestadoras de serviços) que publicam noventa livros por mês. Essas editoras famosinhas, sejamos justos, seguem um padrão fiel: publicam qualquer coisa desde que o publicado garanta vender uns exemplares em pré-venda. O inestimável escritor sempre se frustra, porque o país onde ele vive é péssimo de leitores e talvez, apenas talvez, ninguém ligue para os seus caprichos “geniais”. Ah, e por último e mais categórico: o escritor que muito se leva a sério é, antes de qualquer definição, um ressentido. Ele se magoa por os outros não verem nele o representante de uma vanguarda.

A concepção do ressentimento no excesso de seriedade transcende a literatura e a política, evidentemente, descambando para as microrrelações cotidianas e familiares. O “cidadão sérião” até permite ser esculhambado pelo seu patrão ou por um médico, mas jamais por um garçom ou um picolezeiro. A tal da hierarquia é pouco visível como estrutura, embora seja expressiva nas opressões. O deputado mencionado sempre será essa figura abundante de seriedade, uma vez que não faltarão miseráveis ao seu pé, na mesma medida em que não faltará ressentimento para o perseguir eternamente em sua vida política. Conflitos, implicações e derrotas. Como desprezaram o evoluído deputado frente ao candidato chinfrim da oposição? Isso é motivo de sobra para se ressentir com o povo, chamando-o de imbecil! E vocês, leitores e leitoras, estão ressentidos pela incompetência de quem?

“Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”, miou Shakespeare. A ignorância é um fato inescapável, sentença dos viventes. Somos humanamente limitados demais para nos levarmos muito a sério, o que não significa ser alienado, covarde ou derrotista; pelo contrário, devemos reconhecer nossa efemeridade e sermos disruptivos em relação àquela velha opinião formada sobre tudo.

 

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