No dia 14 de janeiro, lideranças indígenas do Baixo Tapajós e de outras regiões, incluindo povos Munduruku, Wai Wai, Tembé, Arapium e Tupinambá, junto a professores indígenas e não-indígenas, movimento quilombola e a sociedade civil organizada, ocuparam a Secretaria Estadual de Educação do estado do Pará (Seduc-PA).
O protesto tem um objetivo claro: barrar a Lei nº 10.820/2024, que precariza a Educação Escolar Indígena e afeta outros programas de ensino voltados a comunidades rurais, ribeirinhas e quilombolas. Além da revogação da Lei, as lideranças pedem também a exoneração do Secretário Estadual de Educação, Rossieli Soares.
Em um estado que se prepara para sediar a COP30, o maior evento global sobre clima, é inaceitável que o governo estadual negocie direitos fundamentais sem a participação das comunidades afetadas. A decisão é um ataque direto às garantias constitucionais e aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Convenção 169 da OIT, que exige consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas em decisões que impactem suas vidas.
A resistência indígena pela educação se fortaleceu e se espalhou por outras regiões do estado. Dias após a ocupação na Seduc, novas frentes de luta se abriram, com a ocupação da BR-163, em Santarém, e o bloqueio da BR-153, na divisa do Pará com Tocantins. No dia 27, lideranças indígenas também ocuparam a prefeitura da cidade de Tomé-Açu, ampliando a mobilização contra os retrocessos impostos pela Lei 10.820/2024.
A luta chegou ao Judiciário: a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando as mudanças na legislação. Paralelamente, o Ministério Público Federal (MPF) no Pará tem pressionado as autoridades, emitindo comunicados exigindo contenção no uso da força policial, respeito à consulta livre, prévia e informada e condições dignas para os manifestantes, que chegaram a ter o fornecimento de água e energia cortado em alguns momentos.
Durante a manifestação na Seduc, Alessandra Korap Munduruku destacou que os povos indígenas sempre são atacados quando lutam pelo rio, pela floresta e pelo território. “Sabemos que o direito à educação, à saúde e às políticas públicas é importante para nós, mas nunca temos isso garantido pelo governo. É hora de brigar, de lutar por esse direito, por uma escola de qualidade, para que nossos jovens tenham acesso ao ensino superior, assim como os filhos de quem vive na cidade. Mas não queremos negociar nossos direitos por decretos que não garantem uma educação digna. E mesmo que tentem nos oferecer isso, seguimos firmes pela revogação da Lei. Não vamos desistir, porque nosso objetivo aqui é garantir esse direito”, afirmou.
Retrocesso na educação
A Lei 10.820/2024 representa um retrocesso inaceitável. Entre as mudanças na proposta, está a substituição do regime presencial por aulas virtuais em escolas indígenas, além da designação de professores não indígenas para lecionar nessas comunidades. Isso não só fere o direito à uma educação diferenciada, que respeite a cultura, a linguagem indígena e a sabedoria ancestral desses povos, como abre caminhos para a entrada de interesses do agronegócio e da mineração em Terras Indígenas. Além disso, a Lei altera significativamente o Sistema Modular de Ensino (Some) e o Sistema Modular de Ensino Indígena (Somei), com a falta de regulamentação do Somei, e redução da gratificação dos professores que trabalham em áreas remotas.
A educação escolar indígena é um direito conquistado através de lutas desses povos. Revogar a Lei e promover diálogos honestos, transparentes e participativos, são urgências que o estado do Pará não pode ignorar. Os povos indígenas nos ensinam há séculos, que a proteção dos seus direitos, como também a demarcação e defesa dos seus territórios, são condições essenciais para a manutenção da vida no planeta e para o combate à crise climática.
Nos somamos aos ativistas, organizações, movimentos sociais, artistas e parlamentares para apoiar o movimento indígena e pedir pela revogação da Lei. Em novembro, Belém receberá milhares de pessoas para a COP 30, e é fundamental que o governo esteja comprometido com o evento, de modo a garantir o direito à educação, o respeito às comunidades tradicionais e o diálogo aberto com os povos originários.
(*) Com informações do Greenpeace
Professores e indígenas fizeram uma manifestação em frente a Alepa no Pará. Dentro do plenário aconteceu a abertura do ano legislativo com a presença do governador Helder Barbalho pic.twitter.com/n4vjevtvOe
— Norte Em Foco (@norteemfoco) February 4, 2025