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Colunista

Victor Araújo

As contradições da austeridade fiscal no Brasil

A manutenção da austeridade fiscal tem impactado promessas de campanha de Lula, afetando sua popularidade e ampliando debates sobre gastos públicos e rentismo

As contradições da austeridade fiscal no Brasil

Foto: Reprodução/ Canva

Um dos pontos centrais que pode responder a queda de popularidade do presidente Lula (PT) nos últimos meses, é a manutenção da austeridade fiscal, reconsolidada no Brasil nos termos do PLP 93/23, que instituiu o Regime Fiscal Sustentável (RFS) e que tem causado diversos constrangimentos aos gastos primários da União, dificultando o cumprimento de parte das promessas de campanha feitas por Lula em 2022 e, por consequência, contribuído com a baixa popularidade do presidente.

Promessas importantes como o aumento real do salário-mínimo e a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até 5 mil reais estão sendo prejudicadas em detrimento de um controverso ajuste fiscal, que limita os gastos primários, mas mantém intocados os gastos financeiros e tributários.

Uma das mudanças implementadas pelo governo para manter o ajuste fiscal foi a limitação do crescimento do salário-mínimo a um teto de 2,5% ao ano, a regra anterior previa um reajuste pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) acrescido o PIB de dois anos antes, o efeito imediato foi uma perda de 10 reais no aumento de 2025, para uma economia de apenas 7 bilhões, ao passo em que os gastos tributários (aqueles que provém de desonerações de impostos) têm previsão de atingir mais de 540 bilhões em 2025, continua sem previsão de grandes cortes.

As medidas para isentar de IR dos trabalhadores que ganham até 5 mil reais também têm sido alvo de pressões do mercado financeiro que busca a todo custo um profundo corte de gastos primários para expandir a quantia destinada à dívida pública, a pressão tem sido especialmente forte no Congresso, com o presidente da Câmara impondo desde já dificuldades fiscais em avançar com a pauta. Curioso é o fato de que para o presidente da Câmara não há dificuldades fiscais em manter obscuras e bilionárias emendas parlamentares, que somaram quase 25% do orçamento discricionário da União em 2024, uma disfuncionalidade única no mundo, como mostrou um estudo feito pelo economista Marcos Mendes.

A situação torna-se ainda mais crítica quando analisadas as ideias trágicas do Secretário do Tesouro, Rogério Ceron, e encampadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para vilipendiar ainda mais os pisos constitucionais da saúde e da educação, impondo limites de crescimento sobre as despesas destinadas a áreas tão essenciais à população.

Vale ressaltar que os pisos constitucionais já se encontram enfraquecidos. Élida Graziane, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo (MPC-SP), demonstra como a Desvinculação de Receitas da União (DRU), prorrogada ininterruptamente no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), sob inúmeros formatos desde 1994, tem lesado o texto permanente da Constituição e, por extensão, o financiamento de direitos constitucionalmente previstos da população, como saúde, educação e seguridade social.

A comparação entre os gastos financeiros e primários tem recebido pouca atenção nos debates políticos e econômicos. Os gastos primários são aqueles que, em resumo, financiam o funcionamento da máquina pública e todos os direitos duramente adquiridos na constituinte. Os gastos financeiros, por sua vez, referem-se ao pagamento de juros e encargos da dívida pública.

O mercado financeiro faz alarde com um déficit primário de 47 bilhões de reais em 2024 (sem considerar as exceções do Arcabouço Fiscal), inclusive utilizando termos pejorativos como “rombo” para criar pânico, como se o Brasil fosse quebrar amanhã. Porém, ameniza os gastos de mais de 900 bilhões de reais com os juros da dívida pública no mesmo período. Isto porque o mercado financeiro abocanha fatia majoritária dos juros pagos pelo governo, ou seja: dinheiro dos contribuintes.

Portanto, é possível afirmar que os cortes de gastos primários interessam ao rentismo financeiro, primeiro porque permitem maior apropriação com o pagamento de juros. E, simultaneamente, ao sucatear a saúde e educação públicas, abrem margem para fortalecer grupos privados. Matam-se dois coelhos em uma cajadada só. Urge a necessidade de conscientizar a sociedade sobre o papel central do orçamento público no conflito distributivo no Brasil. Se a sociedade não fizer pressão para mais investimentos sociais e o governo não peitar os rentistas, a popularidade do governo vai continuar caindo.

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2 Comentários

1 Comentário

  1. Gustavo Geovani 17/02/25 - 16:19

    Extremamente necessário! Parabéns Victor Araújo!

  2. Anna 17/02/25 - 16:34

    Parabéns ao escritor Victor pelo maravilhoso trabalho ao escrever esta coluna! Desejo todo sucesso do mundo para ele <3

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