
Imagem gerada por Inteligência Artificial
Quando Fiódor Dostoiévski trouxe em Os Irmãos Karamázov a volta de Jesus à Terra, acompanhamos o Grande Inquisidor reduzindo Cristo — não a religião — a uma simples ideia, ameaçando-o queimar em uma fogueira e, por fim, decidindo expulsá-lo para que nunca mais volte com seus milagres e seus discursos revolucionários para o status quo. Quer dizer, claro, isso é bobagem, é apenas literatura, Jesus, com toda sua onipotência, onisciência e onipresença, não deixaria ser submetido a um figurão do cristianismo, jamais permitiria tamanha vileza em um eventual retorno, ainda mais sendo ele onipotente, onisciente e onipresente. Mas e o brasileiro e sua autarquia, como reagiria com a volta de Jesus? Ele dará os primeiros passos na orla de uma Ponta Negra ou na solidão de um Monte Horebe?
Pois então, o primeiro parágrafo se foi, a esmagadora maioria das pessoas quando lê esta capenga coluna, quando realmente leem, estacionam nas primeiras frases e continuam rolando para baixo, ao contrário de ti (grato pela sua leitura).
Para fechar o raciocínio, conjecturar os passos de Jesus na sociedade atual é um tanto complicado e utópico. As dúvidas vão desde o questionamento sobre seu idioma, sua aparência e seu modo de tratamento com os outros até o seu método para punir e salvar a reles humanidade. De qualquer modo, mais difícil ainda é antever que Cristo genuinamente irá engolir e abraçar o discurso difundido pelos cristãos brasileiros. Ele toleraria as mortes das crianças palestinas em Gaza, o desleixo governamental na pandemia ou o show de horrores encenado pelos pastores-atores e crentes-coadjuvantes? Enfim, imaginar um retorno de Jesus só não é mais trágico que um céu composto por Silas Malafaia, os pastores-mirins de redes sociais e a turma do BBB (do boi, da bala e da Bíblia).
Dentro dessa elucubração, da anedota filosófica e das projeções risíveis, vamos de encontro à Operação Contenção, deflagrada no Complexo da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, que vitimou, até os últimos registros, 119 pessoas, sendo quatro policiais. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, um sujeito mais letal que qualquer uma dessas 119 pessoas, declarou que a operação foi um sucesso, sendo categórico em afirmar que os mortos, a exceção dos policiais, eram todos criminosos. A ideia dele e dos seus sectários é naturalizar essas ações, ainda que possa morrer um inocente cá e acolá, porque, leia bem, em hipótese alguma serão eles os que sairão no front do massacre. As únicas honras que eles propagam são para eles próprios e para os policiais que, mortos, são esquecidos tal como os ditos criminosos.
— “Defensor de bandido!” — dirá o cidadão de bem cuja principal demanda é anistiar um punhado de golpistas.
Para não alongar a argumentação, suscito somente três perguntas, para que respondas na sua poltrona da hipocrisia:
I – O massacre de hoje vai abalar em algum grau a segurança pública do Rio de Janeiro, de modo que amanhã a juventude da periferia que é renegada na educação, na cultura e no mercado de trabalho não substituirá de imediato os faccionados mortos?
II – Não te causa nenhum estranhamento que o crime sempre é combatido com mortes nas favelas e periferias, enquanto que nas áreas nobres prevalece o sossego de quem é criminoso, mas tem água potável para lavar suas mãos?
III – A tua consciência religiosa perante teu deus seguirá tranquila em cultuar mais a morte que a vida, a ponto de achar que o Jesus bíblico concordaria com tuas palavras?
Aguardo, sinceramente, tuas respostas.
Leia mais:
- Operação pode superar massacre do Carandiru em violações, diz deputada
- Três livros distintos para três fatos tristes: um olhar às obras de Victor Leandro
- A tua escrita não é ruim, apenas te falta um sobrenome e dinheiro para fazer pose








