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Colunista

Marcos Souza

A tua escrita não é ruim, apenas te falta um sobrenome e dinheiro para fazer pose

Os grandes eventos literários, na esmagadora maioria das vezes, dizem mais sobre capacidade financeira e vinculativa que competência literária

A tua escrita não é ruim, apenas te falta um sobrenome e dinheiro para fazer pose

Imagem gerada por Inteligência Artificial

Deixando de lado momentaneamente a autopiedade que alguns escritores clamam por serem nortistas, como se esperassem uma retratação histórica improvável, nos deparamos com a maldição da comparação cega e desestimulante em torno de um padrão. Pois, veja, se outrora o modelo de escritor era o de uma pessoa inflexível, sisuda, de cigarro entre os dedos e as pernas cruzadas em frente a uma máquina datilográfica, hoje, o ideal é seguir a correnteza digital, estar ou parecer estar entre os melhores, estar ao lado dos conhecidos e ignorar os iniciantes, ter fãs, não leitores, falar mais sobre si do que sobre a obra, enfim, ser um produto acabado, vendável, ao mesmo tempo, descartável.

Exagero? Evidentemente. Nunca irei negar o gatilho das pessoas de lerem somente o título do artigo ou o primeiro parágrafo, contudo, a crítica advém de uma observação pontual. Tome um exemplo enérgico logo de início: os grandes eventos literários, na esmagadora maioria das vezes, dizem mais sobre capacidade financeira e vinculativa que competência literária, como se vê nas Bienais do Livro e na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP). O que não significa dizer que todos os escritores que custeiam e enaltecem a própria obra sejam péssimos, não é esse o alvo do artigo. Mas, sejamos sinceros, quando vemos uma pessoa de pouca bagagem literária nesses eventos, das duas, uma, ou até as duas ao mesmo tempo: ou tem grana, ou tem sobrenome.

Aliás, até para não dispersar nas interpretações, faz-se necessário dizer que esta crítica não é um saudosismo ao passado, intentando ao retorno de uma nostalgia, como uma pessoa que compra uma máquina datilográfica ou uma vitrola para tomar um ar de culto. Não, mil e uma vezes não. Um retorno desse tipo, de usar terno para cativar seriedade, se pintar de aristocrata carioca às pinceladas de Assis e falar de forma hermética, é, além de pedante anacronismo, de uma cafonice medonha.

Será que vale a pena parecer e não ser?

Esse dilema da performance nos leva a tópicos mais profundos, sobre o próprio raio de ação dos escritores na sociedade e a sua função social, se é que tem alguma. Bem, nesse sentido, seria possível pautar um novo jeito de atuação dos escritores ou estes devem seguir as exigências de seu tempo? Há uma queda no número de leitores, ou seja, tentar novos mecanismos é praticamente uma necessidade. O individualismo egocêntrico não é uma saída. O cenário pessimista faz parecer haver no futuro uma reação estritamente mercadológica, do nível de vender a alma ao diabo ou dançar o hit do momento segurando o seu livro, quase em um clamor de uma pessoa-produto.

Quanto ao sobrenome, compreende-se mais uma noção de círculo social do que o sobrenome de forma isolada. Um escritor iniciante que coloque arbitrariamente em seu nome artístico o sobrenome Lispector, Hatoum ou Amado será um caso de curiosidade e humor, uma vez que não está atrelado ao círculo social imaginado. Por outro lado, uma pessoa efetivamente portadora do sobrenome de uma família com círculo social influente terá ao seu pé uma gama de oportunidades, desde a formação básica como tenro estudante até o apoio financeiro de editores, produtores culturais, políticos, familiares, pares de classe média alta e afins.

Portanto, para encerrar este artigo, mais responsável em gerar dúvidas a consolidar respostas, fica a provocação de questionar as figuras unânimes não apenas no meio literário, mas no meio artístico como um todo. Para um Machado de Assis ser escritor-mor, um Tim Maia ser ícone nacional e um Pelé ser uma lenda do futebol, quantos outros tão bons quanto não ficaram pelo caminho, esquecidos? Antes de responder à derradeira pergunta, reflita o prazer da arte em si e como as máscaras sociais também apodrecem numa cova solitária.

 

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