O rapper Emicida, em uma entrevista, disse que ele só existe porque uma professora o tirou do buraco, quando ela percebeu que ele não queria mais ir à escola, em razão dos colegas que o discriminavam pela cor da sua pele e pelo seu cabelo.
Como ele gostava muito de ler histórias em quadrinhos, ela passou a desenhar os quadrinhos para, através das historinhas, ensinar o conteúdo das disciplinas, evitando, assim, que ele deixasse de frequentar a instituição.
Professores são seres incríveis mesmo. Desde pequenina, eu sempre quis ser professora. Só não imaginava que me tornaria uma professora antirracista.
Em 2019, quando estava na graduação, uma professora da UEA pediu que levantasse a mão quem já havia lido livros de autores negros. Ninguém levantou a mão. Nem eu.
Quando a aula terminou, pedi uma sugestão de leitura e ela me indicou a obra “Quarto de Despejo” (1960), da escritora negra Carolina Maria de Jesus (1914-1977). No dia seguinte, iniciei a leitura.
O livro é um diário da autora, no qual conta episódios reais de sua vida, quando morava em uma favela, na capital paulista. A narrativa escancara o cotidiano da vida das pessoas pretas no Brasil.
Despertou uma inquietação em mim, causada pelas novas informações que eu recebia, pelas intensas reflexões e buscas por mais leituras sobre a negritude brasileira, sobretudo no que diz respeito à educação.
A partir daí, minha curiosa sede pelo assunto só aumentou. Até que descobri que sou uma mulher preta. Sempre fui, mas não tinha essa noção. Por ter sempre vivido em meio à branquitude, lugar social e cultural em que os costumes e privilégios das pessoas brancas prevaleciam, eu achava que era apenas mais uma na multidão.
Não me percebia com singularidades concernentes às pessoas pretas, como os marcadores fenotípicos – cabelo cacheado, boca e nariz arredondados, dentes centrais superiores afastados um do outro, tom de pele preta mais clara – origem e ancestralidade.
Decidi, então, pesquisar e me aprofundar para entender a sociedade estruturadamente racista brasileira e, também, compreender a minha traumatizante trajetória, escolar e universitária, por esse espaço de discriminação naturalizada.
Através da análise de minhas experiências enredadas pelo preconceito e rejeição, percebi que a escola é um lócus de reprodução do racismo, mas, também, na atualidade, pode ser entendida como um lugar privilegiado de atuação para a desconstrução do contexto social em que foram colocadas as pessoas negras no Brasil.
Sabe aquele ditado popular “Só o dono da dor sabe o quanto dói”? Foi por isso que decidi me tornar uma educadora e pesquisadora antirracista.
Foi para que as crianças, adolescentes e jovens, pretos e pretas, compreendam suas origens, não mais se sintam inferiorizadas por suas características e se reconheçam como sujeitos de direitos, de forma consciente, crítica e plena.
Vejo, hoje, que a educação, que conta a história original da formação da sociedade brasileira sem o véu da lógica racista, pode alterar a realidade discriminatória vigente, projetando uma sociedade com menos conflitos raciais e menos excludente.
É urgente que a perspectiva antirracista permanente seja inserida pelos professores e professoras em seus planos e projetos pedagógicos em sala de aula e, também, em suas posições político-ideológicas.
A atitude de uma professora impactou a totalidade da minha vida. Pude, assim, perceber e fortalecer um lugar de fala e enunciação.
Acredito que as iniciativas de educadores, pautadas na desconstrução de preconceitos e visões distorcidas a respeito dos povos africanos e afro-brasileiros, são um caminho para a transformação social.
E quero ser igual à professora que acreditou no Emicida. Quem já vivenciou, sabe que o racismo causa dores. Professores e professoras antirracistas podem curá-las.
Jennifer melo 19/10/23 - 18:04
Eu literalmente amei ler esse texto.