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Foto: Canva IA
“É ilusão achar que o amor suporta qualquer quantidade de caos” (Carla Madeira).
Outro dia conversava com uma amiga sobre a cobrança produtivista que impomos a nós mesmas. Somos tão movidas pela produção que postamos listas de afazeres do dia em nossas redes sociais, sem saber ao certo se estamos reclamando ou nos sentindo mulheres superpoderosas que dão conta. A coisa se perde tanto que chegamos à sutil competição quando não conseguimos agendar um encontro com nossas amigas porque cada uma tem mais tarefas que a outra. É quase como chegar atrasada a um campeonato de producídio – permitam-me o neologismo –, e sem ganhadores. Pois tenho, nos últimos dias, feito um esforço para tirar meu time de campo, talvez pela idade, talvez por cansaço, talvez por pura irritação.
Eu e muitos dos que aqui me leem somos da geração que não aprendeu a descansar. Passei anos da minha vida sentindo culpa em tirar um cochilo no domingo à tarde até não conseguir mais pegar no sono, exceto pelos 15min tiquetaqueados pelo meu cérebro. Lembro do impacto que o conto “Pausa”, do Moacyr Scliar, causou em mim: um homem saía de casa todo o domingo para ir a um quarto de hotel, sozinho, apenas para dormir. Colocava o relógio para despertar às 7h da manhã, dizia para a mulher que ia trabalhar, saía para o hotel pequeno e sujo, chegava ao quarto, colocava o relógio para despertar às 7h da noite, aconchegava-se e dormia. Era a sua pausa do trabalho, da família, de si mesmo, uma possibilidade muito masculina, certamente. Li esse conto na graduação e nunca consegui esquecê-lo. Pequena inveja.
O fato é que mesmo que a gente se alegre por terminar uma tarefa após a outra, com a sensação de estarmos mostrando a que viemos, a ausência do tempo livre, da prática do “fazer nada”, como disse Marília Gabriela em uma entrevista, fica cada vez mais distante. E, para piorar, não bastam as lições maternas e paternas de disciplinamento do tempo, vem também a escola que quer ensinar a escrever cada vez mais cedo, negligenciando até o direito ao brincar, vem o discurso de sinergia no trabalho, vêm os vídeos de gente que faz curso para vender curso, vêm os booktubers e blogueiros da leitura que vendem a ideia de produtividade até quando leem livros. Aliás, ando extremamente irritada ao ver as leituras do mês nos perfis que recebem ou não para fazer isso: não me entendam mal, eu sei a importância deles para o mercado, para a venda de livros, para o incentivo à leitura, mas a face prazerosa de ler travestida de produtivismo, de recebidos pagos e não pagos, estimula até que ponto o leitor contemplativo? Se é campeonato, perdeu a graça.
Nesse viver excessivo e trabalhoso, ganha cada vez mais espaço a competição e fica para trás o senso de coletividade. E, como diz aquela amiga do início deste texto, competir o tempo todo é exaustivo. Por isso, parafraseando o que anuncia a epígrafe desta crônica, não há amor, amizade, relação de trabalho que suporte o caos da competição. Minha epifania para escrever foi exatamente isso: as pessoas que deixamos pelo caminho porque, imersas na feracidade do reconhecimento que vem do mundo produtivo, não souberam se alegrar com o que seus colegas, família, amores e amigos conquistaram. Nada de novo, desde que o mundo é mundo, mas continua doloroso e precisamos de tempo para entender.
Por isso, eu e você estamos carentes de pausa. Decreto um campeonato de fazeres-de-nada para, ao menos, mastigarmos as nossas perdas!
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Alessandro Lima 16/02/25 - 15:39
Precisamos aprender a distribuir o nosso tempo. Uns dão muito do seu tempo para os outros. Outros tantos vendem muito do seu tempo arriscando perder a saúde física e mental.
Complexo o assunto, porém finito e contempla prismas tão distintos que dependem, também de política.